14 agosto 2004

Privatizar quando?




O Ministro António Mexia é citado no suplemento económico do Expresso de 23.10.2004; sobre uma empresa sobre a qual se especula privatização, afirma que esta:

'está no início do seu processo de modernização e de consolidação. Não se fazem privatizações de empresas em dificuldades'

É evidente que para privatizar é preciso haver comprador. E que uma empresa em dificuldades será, em princípio (!), menos atractiva. O Ministro tem razão.

Porém, uma empresa que não esteja em dificuldades não interessará ao Estado?



E uma empresa em dificuldades, interessará ela ao Estado?

O fim das empresas é o lucro. Assim o diz o Código Civil (art. 980). Claro que também interessará o seu objecto social (art. 11/2 do Cód. das Soc. Comerciais.

Se assim não fosse, escolher-se-ia outra forma jurídica que não de empresa: uma associação, uma fundação, etc.

Nestes termos, se um investidor mantém uma participação numa empresa é porque esta dá lucro ou prevê-se que venha a dar, ou há um interesse estratégico, aliado a lucro.

É certo que uma empresa em dificuldades pode ser recuperada e vendida, ainda que acima do preço a que estaria... antes de recuperação!

Por outro lado, está na hora de o Estado (a continuar a existir) encontrar formas de financiamento que não a receita fiscal.



A receita fiscal morreu como principal forma de financiamento dos Estados. Isto porque num clima de concorrência fiscal, a menos que os Estados se unam num verdadeiro 'cartel fiscal' (alguém fugiria sempre), há incentivos sérios à 'deslocalização' de empresas. E também a particulares, que emigram, 'votando com os pés'.

As receitas dos Estados passam pois pela sua actuação como investidores racionais. E não como uma bengala para empresas ineficientes.

Podem livrar-se de empresas, pois, ineficientes, à excepção daquelas que ainda que ineficientes do ponto de vista puramente contabilístico (e.g. certos transportes públicos, por exemplo) são necessárias num Estado Social.

O que não consigo perceber é qual a razão da privatização de empresas eficientes, que providenciam receita.

Ou tento não perceber, supondo que a lei é sempre cumprida pela tutela.

É que a busca algo desesperada de receitas extraordinárias esquece... a receita ordinária. O que fará, evidentemente, aumentar a ânsia por mais receitas extraordinárias, para suster défices, uma vez que as receitas ordinárias vão caindo, com a queda de receita fiscal e de participações empresariais alienadas.

Afinal, se a privatização não se resumir às empresas que não interessam ao Estado, não teremos nada para alienar. Senão o património histórico e cultural.

Mas esse, até esse, está 'em dificuldades'. Posso ficar descansado. Não será privatizado.

Ou será?

13 agosto 2004

Algarve vazio vs. Noite cheia

Dizem que o Algarve está vazio.

Apenas notei que o Algarve está Alarve, não por qualquer elemento geográfico ou humano local, mas pelos turistas nacionais que enchem a sua noite.

Os dois paradigmas da 'contemporânea' noite jovem do Algarve são o Klube e a Casa do Castelo.

O primeiro coloca o clube no próprio nome. O segundo é 'Clube' antes da 'Casa'.



Ambos clubes, supõe-se que a sua frequência seja, no mínimo, filtrada, ainda que os critérios sejam sempre algo nebulosos.

No Klube o filtro é simples: não conseguir chegar, porque a estrada está cheia de miúdos a beberem directamente de garrafas e dos seus carros estacionados à beira da estrada, causando filas enormes.

No Castelo, como para lá chegar ainda temos de mover-nos por estradas secundárias, a coisanão é tão feia. Porém, uma vez chegados ao destino, deparamo-nos com um caos que envolve wannabe clients, polícias (GNR) nos inevitáveis trajes fluorescentes, funcionários do Clube. Estacionar é mentira, pelo menos se não estiver para andar num terreno semelhante ao Kansas. A coisa ficou mais excitante há uma semana, com a chuva que caiu pelas cinco e muito da manhã.

Em ambos os casos, o interesse da casa é apenas financeiro, como se nota por consumos mínimos ou não, mas sempre pela entrada indiscriminada de pessoas. Seria interessante, pelo menos, aumentar o número de metros quadrados por pessoa.

Seja como for, ambas as 'casas' respondem ao mercado: e os portugueses continuam a não se importar com a confusão, alguns parecem até gostar, como num olhar algo orgulhoso para um umbigo provinciano.

Até quando?

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Portugal de Relance II

'O orçamento em Portugal, como facilmente se compreende, não se equilibra nunca senão por deficit.

Contrai-se todos os anos um pequeno empréstimo que se repete em larga escala sempre que há eleições gerais de deputados.

O resultado é que é indispensável pagar enormes juros, e que o tesouro está sempre esgotado'


Maria RATAZZI
Portugal de Relance, 1881

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11 agosto 2004

Voluntariado 'Cultural'

Falar de Voluntariado em Portugal é falar de assistência a grupos sociais, não a grupos culturais.

É falar de ajuda directa a pessoas, e não de ajuda a objectos como ajuda indirecta a pessoas.

É extremamente necessário criar em Portugal a possibilidade e o hábito do que chamarei de 'voluntariado cultural'. Desde logo junto a colecções de arte (sobretudo públicas), mas também noutras instâncias mais genéricas, como jardins...

Isto porque a necessidade deste voluntariado já existe. Existe por razões óbvias de falta de financiamento, mas também por razões talvez menos óbvias (pelo menos da maioria da população), como a deliberada fraca contribuição pública para a área da conservação do património histórico e artístico.




A criação do voluntariado passa pela abertura das instituições à colaboração de cidadãos interessados, sejam jovens, sejam adultos com tempo livre e interesse pessoal, sejam idosos com capacidades e por vezes talento para certas actividades. Existem saudáveis exemplos em grande parte das instituições britânicas e norte-americanas.

As actividades disponíveis vão desde a simples guarda/conservação de colecções até à participação, guiada, em actividades básicas de restauro, ou simplesmente no auxílio ao funcionamento das instituições, como o atendimento ao público.

As instituições culturais justificam-se por si, não podemos encará-las como locais de emprego remunerado, caso isso prejudique o seu objecto essencial: a conservação e crescimento de uma colecção, aberta tanto quanto possível ao público.

Atrair a população para o voluntariado não é fácil, mas não impossível. E Portugal tem tido bons índices em áreas como o voluntariado 'social'. Valorizar o voluntariado no âmbito da fiscalidade e sobretudo na apreciação de um curriculum é essencial. E no longo prazo, a valorização pessoal e o reconhecimento social revelam os seus frutos.



Numa época onde financiamento é a palavra chave, e em que a necessidade de solidariedade excede o âmbito social, nada melhor do que desenvolver o voluntariado cultural, demonstração máxima da democratização do ser civilizado. As instituições dependem de pessoas. Mas cabe às instituições o primeiro passo.

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10 agosto 2004

Henri CARTIER-BRESSON


Faleceu um mago da fotografia.



'La famille d'Henri Cartier-Bresson, la Fondation Henri Cartier-Bresson, les photographes et l'équipe de Magnum Photos ont la tristesse de vous annoncer le décès d'Henri Cartier-Bresson le 3 Août à 9h30 dans sa maison du Luberon.Les obsèques ont eu lieu dans la plus grande intimité. Un hommage sera organisé à sa mémoire début septembre'.


Além do seu legado espiritual e material, deixa-nos uma quase-herança institucional:


a


MAGNUM

Imagem: Fondation Henri Cartier-Bresson

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05 agosto 2004

'Autoridades', Reguladores e Regulados

É 'fash' falar de regulação independente, corporate governance, auditoring, avaliação de desempenho, outsourcing, CRM, SAP, etc, etc.

No caso das entidades (não necessariamente autoridades...) administrativas independentes, é interessante verificar que não só não são recentes ('anos 50 nos EUA', já quase todos sabemos), como já em Portugal eram defendidos princípios como o da defesa do consumidor, concertação, e gestão de serviços públicos.

Recordo -- ainda que só agora tenha descoberto -- um artigo de António Sérgio, publicado na 'sua' (a partir daí em franca decadência) Seara Nova, integrado num conjunto de textos sobre 'cooperatismo'.

Aí, defende-se 'a vantagem e superioridade da administração independente e responsável -- tão independente e responsável como uma administração particular -- e não sujeita, por consequência, aos desleixos, favoritismos, abusos, politiquices, etc., de que são susceptíveis as administrações burocráticas, cujos êrros administrativos são cobertos pelo orçamento (irresponsabilidade dos administradores) e cujos superavits, quando existem, vão para o Tesouro, em vez de servirem para melhorar ou para abaixar o preço de distribuição'


«Solução do Problema Social pelas Régies Cooperativas», Seara Nova n.º 572, de 30.VII.1938, p. 167

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Patriotismo

'Patriotismo é apontar os defeitos para que os erros se emendem'



António Augusto de Aguiar [1938] na Seara Nova n.º 609, p. 163

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Criticar

'Considerarmos a crítica uma função geral do espírito, uma actividade própria, a exercitar-se em todo e qualquer campo de interêsse.E de modo individual, incondicional.

Quando eu digo de uma obra: gostei, já a critico. A escolha de um livro, pelo simples nome do seu autor, é crítica também. E ninguém, a não ser eu, dela aproveita. Mas não ter aproveitado senão a um, numa medida até muito escassa, não a invalida.'



João Falco [1938] na Seara Nova, n.º 606, pp. 103, 105.

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nem simples nos deixamos ser?



'uma grande impossibilidade do português de ser livre, arrojado. Ofende-o tôda a audácia, mesmo que seja a da simplicidade'


João Falco [1938] Seara Nova n.º 606, p. 103

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Roubo de altar Maia chega a [e sai de] tribunal na Guatemala

GUATEMALA JAILS THREE ANTIQUITIES SMUGGLERS

Following a remarkable trial, full of intrigue, shifting allegiances and witness intimidation, three members of the same family, Salvador Coy Bol, Ciriaco Coy Cabnal and Publio Paau Coc are now serving sentences in a Guatemalan jail after being convicted them of stealing an eighth-century Mayan altar from an archaeological site and then threatening to kill anyone who told the authorities. The trial was Guatemala’s first criminal prosecution of antiquities thieves and the first of its kind in Latin America. Archaeologists and prosecutors hope the verdict and the prison sentences for the three men will have a powerful deterrent effect on the looting of the country’s many Mayan sites.

http://www.theartnewspaper.com/news/article.asp?idart=11735

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