23 março 2005

Ego


Só quem não tem complexos de Ego é verdadeiramente sincero.

E só quem é sincero passa ao lado dos complexos de Ego.

Lorenzetti
já terá citado por aqui a frase extraordinária de Federico Fellini sobre a sinceridade:

'As soon as you reveal yourself to be completely sincere, you're either breaking the rules or making yourself incomprehensible. Excessive sincerity verges on indecency'

E assim acontece. Ser sincero e não ter problemas de ego -- desde logo tratar os outros, sejam quem forem, de igual para igual e não esconder pensamentos -- continua a ser um escândalo, algo de indecoroso, indecente, desagradável... 'inconveniente'!

Azar.

Ser um complexado de Ego é ser normal. Viver com segredos e fingir que está tudo bem. Inventar histórias de cama, apanhar bebedeiras não pelo gozo, mas para contar, não avançar num projecto empresarial ou amoroso com medo de falhar e dar a cara.

Ser pobre, negro, gay, velho demais, novo demais, ser mulher, correr o risco de a mulher andar com outro, viver na Reboleira e não na Av. do Restelo, tudo faz os Portugueses complexados.

As pessoas não são aquilo que querem, são aquilo que acham que os outros querem ver.

E fazem isto em relação umas às outras, o que não deixa de ser uma peculiar reciprocidade. Toda uma complexa rede de complexos...

Sinceramente não há paciência.

O atraso de país não é económico, é endémico e cultural. É não saber escrever nem estar à mesa, é cuspir para o chão, bater na mulher, nos filhos, é os filhos andarem à pancada com os colegas por uma borracha ou um borracho, ou simplesmente andarem emborrachados.

É o pânico das compras, muitas vezes que coisas sem gosto nenhum (mas 'estão na moda') nem personalidade própria.

É dizer que não têm dinheiro para impostos, educação e saúde e gastarem milhares por ano em tabaco, vodkas, TV cabo, pastilhas elásticas, fotografias, caipirinhas, roupa, chocolates, batatas fritas, algodão doce, tremoços, cerveja, concertos de verão, jogos de futebol, cafés, cinema, férias...

É o ego, aquele complexo. Ter de ter, mais do que ter de ser ou, melhor, gostar de ser. Manadas e hordas. É o fenómeno 'classe média', que quer ser tudo menos média, e que é tudo abaixo de mediana.

O país que temos não é o do choque tecnológico ou fiscal.

É um país que precisa de saber escrever e sobretudo pensar. Pensar não só em números e letras, em Filosofia, Física Quântica e Fundos de Investimento Mobiliário.

Precisa de pensar em si, ter personalidade própria e forte, sem no entanto ser egoísta ou insensível.


Lorenzetti
não me parece muito esperançado, mas não deixa de tentar.


Imagem: Jonathan Rhys-Meyers no papel de Chris Wilton em Match Point - uma personagem que transpira ego. Como o slogan do filme, 'there are no little secrets', acompanhado das taglines 'Love / Lust; All / Nothing; Truth / Deception'. É isso.