Privatizar quando?
O Ministro António Mexia é citado no suplemento económico do Expresso de 23.10.2004; sobre uma empresa sobre a qual se especula privatização, afirma que esta:
'está no início do seu processo de modernização e de consolidação. Não se fazem privatizações de empresas em dificuldades'
É evidente que para privatizar é preciso haver comprador. E que uma empresa em dificuldades será, em princípio (!), menos atractiva. O Ministro tem razão.
Porém, uma empresa que não esteja em dificuldades não interessará ao Estado?
E uma empresa em dificuldades, interessará ela ao Estado?
O fim das empresas é o lucro. Assim o diz o Código Civil (art. 980). Claro que também interessará o seu objecto social (art. 11/2 do Cód. das Soc. Comerciais.
Se assim não fosse, escolher-se-ia outra forma jurídica que não de empresa: uma associação, uma fundação, etc.
Nestes termos, se um investidor mantém uma participação numa empresa é porque esta dá lucro ou prevê-se que venha a dar, ou há um interesse estratégico, aliado a lucro.
É certo que uma empresa em dificuldades pode ser recuperada e vendida, ainda que acima do preço a que estaria... antes de recuperação!
Por outro lado, está na hora de o Estado (a continuar a existir) encontrar formas de financiamento que não a receita fiscal.
A receita fiscal morreu como principal forma de financiamento dos Estados. Isto porque num clima de concorrência fiscal, a menos que os Estados se unam num verdadeiro 'cartel fiscal' (alguém fugiria sempre), há incentivos sérios à 'deslocalização' de empresas. E também a particulares, que emigram, 'votando com os pés'.
As receitas dos Estados passam pois pela sua actuação como investidores racionais. E não como uma bengala para empresas ineficientes.
Podem livrar-se de empresas, pois, ineficientes, à excepção daquelas que ainda que ineficientes do ponto de vista puramente contabilístico (e.g. certos transportes públicos, por exemplo) são necessárias num Estado Social.
O que não consigo perceber é qual a razão da privatização de empresas eficientes, que providenciam receita.
Ou tento não perceber, supondo que a lei é sempre cumprida pela tutela.
É que a busca algo desesperada de receitas extraordinárias esquece... a receita ordinária. O que fará, evidentemente, aumentar a ânsia por mais receitas extraordinárias, para suster défices, uma vez que as receitas ordinárias vão caindo, com a queda de receita fiscal e de participações empresariais alienadas.
Afinal, se a privatização não se resumir às empresas que não interessam ao Estado, não teremos nada para alienar. Senão o património histórico e cultural.
Mas esse, até esse, está 'em dificuldades'. Posso ficar descansado. Não será privatizado.
Ou será?