PedoArte ?
Já tinha pensado levemente sobre este assunto pesado, mas só agora me questionei a sério, dadas as circunstâncias especiais.
E a especialidade deriva de duas coisas: primeira, a histeria em volta do caso Madeleine McCann. Segunda, as várias exposições que tenho visto esta semana e nas quais figuram crianças.
A pedofilia é um tema do dia e coisas que poderiam ser banais passaram a ser estranhas. Um pai que passeia de mão dada com o seu filho pode hoje ser olhado com uma desconfiança que não teria há alguns anos atrás. E as mulherzinhas chatas que fazem caretas e vozes parvas a criancinhas que passam na rua começam a ser vistas de outra forma.
O que dizer da arte? Sobretudo da moda e da fotografia?
Se no caso da moda há imensos modelos adolescentes cujo progresso profissional se baseia por vezes em práticas duvidosas ou, mesmo não sendo assim, implica a sua avaliação física e apreciação pelo público, no caso da fotografia a coisa torna-se mais dúbia.
Esta semana estive em dois eventos que me colocaram novamente a pensar sobre o assunto.
Na PhotoLondon, uma grande mostra de fotografia que junta imensas galerias de todo o mundo e muitos fotógrafos consagrados ou algo debutantes, as crianças surgem um pouco por todo o lado e o destaque vai para uma fotografia de Frank Rothe, que tenho mesmo à minha frente, pois ilustra um convite para o lançamento do seu livro 'Running Through the Wind'. O convite lá diz 'vodka and caviar will be served', a contrastar com a criança que ilustra o convite. A fotografia chama-se 'sleeping boy', é de 2oo6, e encontra-se em formato gigante na PhotoLondon. Um miúdo de uns 10 anos, lindíssimo, de cara celestial, dorme despido numa cama, vendo-se parte do seu tronco e tendo os braços cruzados deitados na almofada, numa posição que se fosse de adulto se diria 'sensual'.
Fica-se na dúvida sobre as intenções ou pelo menos o sentido estético do fotógrafo. E a palavra pedofilia, mesmo que suspirada na mente de quem vê a foto, está presente, como um fantasma.
No dia seguinte, estive em duas outras openings, a primeira, desta vez, na Sotheby's em Bloomsbury e cuja curadoria coube a um português, Sidónio Costa, coordenador do Master in Arts da Sotheby's Londres.
Ao chegar deparo-me com a casa quase fechada, com house aos berros, muita gente animada, champagne sem parar, e muitos canapés. Nos andares de cima, as enormes telas com as obras do colectivo AES+F, uns russos e russa que apresentaram o seu último projecto, intitulado Last Riot 2.
No website, bem organizado e com óptimos conteúdos de fácil acesso, podem ver-se todos os projectos do colectivo, bem como explicações sobre os mesmos. Entre eles, o Last Riot2.
Adorei este grupo, pois apesar de alguns projectos que julgo infelizes, porque desnecessários e insignificantes [e.g. a série sobre Diana de Gales e o seu acidente], a mairia tem uma inovação, qualidade gráfica e ironia extraordinárias. São mordazes e utilizam temas modernos e acessíveis com uma coragem e imaginação pouco comuns. Em especial, no Last Riot 2, a mistura da figura de São Jorge a matar o dragão [sendo fundamental a obra de Ucello], a situação conturbada de hoje na Rússia, a utilização de crianças em conflitos armados em certos países, a violência urbana [com um toque americano dado pelos bastões de basebol] e gratuita, etc..
Porém, a utilização frequente de crianças e jovens [em regra seminuas - veja-se sobretudo a série 'the king of the forest'] também deixa algumas dúvidas sobre intenções ou pelo menos resultados pedófilos soft-core.
como é evidente, estes são apenas dois casos que uso como exemplo.
O que mais me assusta nestes e outros não é a possibilidade de o artista ou o coleccionador / público ser pedófilo.
É a eterna dúvida, a suspeição, quase inquisitorial e fanática, que pulula impiedosamente nas nossas mentes.
E sobretudo, a sua 'razão' de ser.
imagem: Tondo 3, dos AES+F
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