E a criancinha que se lixe.
Uma amiga minha, advogada, comentava que estava farta da sua Ordem, a sua 'entidade reguladora' e, ao mesmo tempo, 'sindicato'. Deixou de ser advogada em Lisboa e agora está em Londres, num escritório americano, o que em Londres é, em regra, muito bom. E com Lisboa nem vale a pena comparar...
Ela chegou ao ponto de dizer que a Ordem dos Advogados devia acabar e que devia haver autoregulação.
De certa forma percebo os seus lamentos: há outras profissões liberais com riscos enormes para os 'consumidores' que não têm regulação semelhante e os efeitos não são especialmente nefastos: haverá uma Ordem dos canalizadores ou dos ténicos de elevadores? etc. etc. E sei que foi muito penoso para ela ter uma no de aulas de preparação para 6 exames na Ordem quando já tinha feito isso tudo nos 5 anos de Faculdade.
Mas há questões ainda mais importantes e sem regulação mesmo nenhuma.
Ter filhos, por exemplo.
Por razões religiosas e um direito baseado nelas, 'os pais são livres de educar os seus filhos' coisa de normalmente significa deixá-los ser como eles. Mesmo que os pais sejam uns javardos, para usar o termo mais adequado à realidade que aqui se descreve. Isso vê-se um pouco por todo o lado. Desde o interior de Portugal, onde havia crianças a beber vinho ao pequeno almoço, ou os centros comerciais das 'cidades', onde pululam jovens hooligans, sem limites. Ou até as mais simples escolas, onde os pais deixam os filhos não para ser educados, mas estilo kindergarden prolongado, até à Faculdade se possível. Ter filhos é bom: deixa-se na escola o dia todo.
Para se tratar de doentes tira-se medicina. Para as defender tira-se direito. Para as analisar tira-se psicologia. Para se abrir uma empresa tem de se ter um capital mínimo. Mas quem prepara as pessoas para ter filhos?
Mesmo que sejam paupérrimos podem ter 21 filhos [sendo que o número de filhos aumenta, em regra, nas classes não médias, mas sobretudo baixas, embora esses 'morram mais'].
Numa sociedade capitalista, onde o 'mercado' é o grande oráculo que regula as nossas vidas, a liberdade de se ter filhos, sobretudo sem quaisquer limites quanto à forma como são tratados e educados [mesmo que alguns limites estejam na lei, nada nem ninguém garante a sua aplicação em cada casa de família, onde não se sabe o que se passa] é questionável. Não o seria, evidentemente, numa sociedade onde tudo estivesse garantido.
Porque é que uma pessoa que tem filhos tem vantagens fiscais e apoios sociais face a uma que não tenha? Por uma simples razão de política de natalidade?
Ao mesmo tempo, como coordenar isso com o desemprego cada vez mais elevado, em todas as áreas profissionais?
E quem protege as crianças dos pais sem qualquer preparação? Será justo que o 'direito dos pais a ter filhos' se sobreponha a um direito [que não há] a ter bons pais?
Leis como a da adopção visam, diz a lei, proteger 'os interesses da criança'.
E o direito a ter filhos e a [des]educá-los como quiser, visa proteger quem?
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