01 agosto 2007

Câmaras de Ruído.


Foi hoje publicada a alteração à Lei do Ruído, uma daquelas que ninguém fala e que têm uma importância vital numa sociedade civilizada, dadas as suas implicações para a saúde e o conforto dos cidadãos.

Entre outras alterações, refere o governo no preâmbulo do DL 278/2oo7 que 'da actual redacção do artigo 15.º resulta que todo o exercício de actividades ruidosas temporárias carece de ser autorizado mediante a emissão de licença especial de ruído, quando, em rigor, o que se pretende efectivamente condicionar é o exercício de actividades ruidosas temporárias referidas no artigo 14.º, cuja incomodidade não é admissível. Assim, altera -se o artigo 15.º do RGR no sentido de clarificar que apenas o exercício de actividades ruidosas temporárias previsto no artigo 14.º do RGR, por ser excepcional, carece de ser autorizado mediante a emissão de licença especial de ruído'.

De acordo com o diploma, essa autorização cabe às câmaras municipais:

Artigo 15.º
[…]
1 — O exercício de actividades ruidosas temporárias
previsto no artigo anterior pode ser autorizado,
em casos excepcionais e devidamente justificados,
mediante emissão de licença especial de ruído pelo
respectivo município
[...].

Não deixa de ser irónico que se atribua aos municípios a competência para estas licenças especiais, que podem abranger, por exemplo, obras à noite. Que acabam por ser especialmente apelativas em períodos eleitorais, quando se quer acabar obra rápido para inaugurar antes do dia de reflexão...



Num país onde há uma súbita 'tara económica' e onde temos todos de ser 'imparciais e independentes' e de ter comissões para isto e aquilo e reguladores independentes, não se percebe como é que numa matéria tão relevante como o ruído se confere a competência às câmaras municipais.



Isto porque as câmaras são elas próprias construtores ou concedentes e abrem empreitadas.

As câmaras tornam-se, assim, um ponto de conflito de interesses, que quem quer construir rápido e que quem concede as licenças de ruído que permitem ruído [e portanto construção] a horas e níveis de ruído normalmente proibidos.

Há vários casos conhecidos, sobretudo de infraestruturas municipais, e já me aconteceu até ligar à polícia a queixar-me de ruído de obras e ser-me dito pela polícia que a obra é da câmara e tem licença para ruído nocturno [leia-se, no caso concreto, depois da uma da manhã].

Como em todas as questões de cidadania e qualidade de vida, os ingleses são neste campo um exemplo e já se ultrapassou esta questão do ruído de obras para discutir o ruído doméstico, incluindo 'até' portas que fazem ruído a fechar.



Organizações como a Encams, que leva a cabo várias campanhas de esclarecimento sobre questões fundamentais para a qualidade de vida, as verdadeiras questões que em Portugal, como na maioria dos países sub-desenvolvidos, não se leva a sério, são heroínas. Além do ruído, as campanhas da Encam lixo no chão, dejectos de animais na rua, colagem de anúncios e cartazes, lixo de comida e plástico, veículos abandonados, graffittis, pastilhas elásticas coladas por todo o lado, beatas no chão e a sujar paredes, etc.. Coisas que em Portugal são vistas como 'mariquices' por muitos dos indígenas, como chama Vasco Pulido Valente a todos nós, e que o Governo e maioria dos partidos, não vendo aí interesse eleitoral nem dívidas a quem lhe paga as campanhas, nada faz. Os comportamentos 'anti-sociais' são vistos em Portugal como banais. Seja os citados seja outros, como o bullying, que tem inclusive dignidade penal. Aliás, nem se fala de comportamentos anti-sociais, porque o pensamento é menos sofisticado.

Há uma diferença muito clara entre flexibilidade do legislador e inutilidade do legislador.

Só falta conferir aos construtores civis a competência para a emissão de licenças de construção.

imagem: uma das ilustrações desenhadas pelo atelier Raw Nerve para campanhas municipais anti-ruído. A municipalidade em causa [Lewisham, no sudeste de Londres, a segunda maior de Londres em área, com umas 25o mil pessoas, parte dos cerca de 7 milhões de habitantes de Londres, pelos censos de 2oo1] recebe 8ooo queixas anuais relativas a ruído, maus cheiros, fumos, etc. e tem poder para intervir nos locais [e.g. apreensão de equipamentos usados para produção de ruído, como aparelhagens de som].

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