05 julho 2007

A pole position do Presidente Lula na Cimeira de Lisboa


Acabo de consultar o meu Gmail, onde estava a quote de Calvin Coolidge 'I have never been hurt by what I have not said'.

Poderia fazer agora o contrário ao citar parte do fantástico discurso do Presidente Lula da Silva no 'ex-CCB', 'actual' Museu Berardo esta semana. Mas isso não acontece, porque os leitores de Lorenzetti já sabem que este não se liga a partidos, mas a causas, e não aprecia partidos, mas pessoas e situações concretas. E assim foi com este discurso que se transcreve em parte:

Discurso do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na Sessão de encerramento da Cimeira Empresarial Brasil-União Européia
Lisboa-Portugal, 04 de julho de 2007


[...]

Em primeiro lugar, o Brasil tem sido um centro de atração para investimentos estrangeiros. Eu acredito que isso está acontecendo neste momento porque os investidores estrangeiros estão compreendendo que, finalmente, mesmo sem fazer nenhuma privatização, o Brasil está oferecendo oportunidades de negócios para que empresários façam seus investimentos, possam produzir e obter o seu dinheiro em forma de lucro, de retorno. E vamos continuar fazendo com que a economia brasileira e o comportamento do governo sejam efetivamente o grande atrativo para investimentos no Brasil. Como eu acredito que não existe mágica em economia, e muito menos mágica em investimentos, as pessoas vão atrás de oportunidades e, em função das possibilidades de ganhar alguma coisa, nós vamos continuar oferecendo as oportunidades.

[...]

Trata-se de uma iniciativa que vai muito além do comércio e dos investimentos, mas o seu êxito dependerá de um adensamento ainda maior de nossas relações econômicas. Por isso, é fundamental que vocês empresários sejam nossos sócios nessa empreitada, que nos ajudem a aprimorar uma relação que já é excelente, mas que ainda tem muito a produzir. Nossas trocas comerciais e fluxos de investimentos já caracterizam uma parceria privilegiada por sua amplitude e seu dinamismo. Nosso comércio com a União Européia atingiu o valor recorde de 51 bilhões de dólares, em 2006, um crescimento de 13%, em relação a 2005, e de 60% em relação a 2003.

O aumento não pára nessas cifras. Já nos cinco primeiros meses de 2007, o intercâmbio total elevou-se em 30% frente ao mesmo período do ano passado, alcançando cerca de 25 bilhões de dólares. E o potencial para o crescimento é enorme. O mercado brasileiro de bens de consumo e de capital vem aumentando de forma contínua e nossa economia reencontrou o caminho do crescimento sustentável. Somos o principal destino dos investimentos europeus na América Latina. Também entre os BRICs [Brasil, Rússia, Índia e China] o Brasil se destaca e a presença de capitais brasileiros na Europa, assim como no resto do mundo, está em franca expansão.

[...]

O Brasil vive hoje um momento inédito, caracterizado pela combinação de crescimento, inflação baixa e forte incremento do comércio exterior. Ao mesmo tempo, vemos a ampliação do mercado interno, aumento do emprego, expansão da renda, redução da pobreza e das desigualdades. Nossa vulnerabilidade externa caiu radicalmente, saldamos a totalidade de nossa dívida com o FMI e com o Clube de Paris, possuímos hoje mais de 146 bilhões de dólares de reservas, o risco-Brasil, hoje, está abaixo dos 150.

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São privilegiados os investimentos em infra-estrutura e na área social. Para habitação, saneamento, transporte coletivo e eletricidade serão mais de 500 bilhões de reais, o equivalente a 250 bilhões de dólares entre 2007 e 2010. São obras que abrirão novas portas para os negócios no mercado brasileiro e que irão dinamizar as relações do Brasil com o mundo.

[...]

Precisamos rever práticas superadas dos organismos financeiros multilaterais e reduzir barreiras protecionistas, sobretudo no comércio agrícola. É isso que estamos defendendo na OMC. Precisamos ter determinação e confiança para atingir resultados ambiciosos e equilibrados, que facilitem o comércio e distribuam melhor os investimentos.

[..]

Não há substituto para um sistema multilateral de comércio forte baseado em regras estáveis e eqüitativas. O acordo de associação União Européia-Mercosul será um importante complemento à OMC, sua relevância transcende a mera abertura de mercados e tem um valor estratégico na construção de um mundo multipolar. Na economia como na política, a diversidade de parceiros, mais do que o isolamento, é o que assegura a independência. As negociações já estão avançadas e com o impulso político adequado poderiam ser concluídas rapidamente. Essa é a mensagem que eu trouxe hoje a Lisboa e que levarei amanhã para Bruxelas.

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Nós já perdemos muito tempo. Quem conhece o Brasil sabe que, no século XX, nós perdemos oportunidades, chegamos a crescer 14,3% ao ano, entretanto carecíamos de democracia, faltava liberdade sindical, liberdade intelectual, liberdade cultural, liberdade política. O que aconteceu depois desse crescimento extraordinário, que alguns chamaram de milagre brasileiro, é que os ricos tinham ficado mais ricos e os pobres tinham ficado mais pobres. Só que na década de 70 tinha apenas duas favelas, hoje tem aproximadamente 700 favelas, numa demonstração de que não basta a economia de um país crescer, se os governantes, responsáveis por esse crescimento, não tiverem concomitantemente a responsabilidade de partilhar, de forma mais equânime, o
resultado das riquezas produzidas pelo país.


É isso que estamos fazendo e é por isso que eu digo que o Brasil vive hoje o melhor momento econômico da sua história Republicana em 118 anos. Não fizemos tudo ainda, estamos iniciando um processo, mas um processo seguro, um processo em que o presidente da República pode olhar na cara de um empresário europeu, americano, brasileiro, e dizer para ele que não tem mágica na política econômica, não tem aqueles anúncios à meia-noite, para pegar empresários de surpresa no dia seguinte ou empresário que vai dormir com o dólar valendo quatro e acorda, de manhã, com o dólar valendo dois.

No Brasil é importante dizer: o dólar vai continuar sendo flutuante. E digo para vocês o que digo no Brasil todos os dias: o problema do dólar flutuante é que ele flutua para mais ou para menos, e quando vai para menos, alguns ganham, quando vai para mais, outros ganham.

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Eu sou um homem esperançoso, aos 23 anos de idade já estava fazendo negociações com as indústrias automobilísticas de São Bernardo do Campo, em São Paulo, porque eu era dirigente sindical. Nem sempre os acordos são fáceis. Às vezes, um acordo que parece impossível num ano, acontece no ano seguinte. O dado concreto é que nós temos que trabalhar com a seguinte responsabilidade: quando a representante da União Européia sai para vender um carro, o ideal para ela é que o comprador do carro saia satisfeito, porque pagou um preço justo. Mas que ela também saia satisfeita, porque acha que recebeu o dinheiro justo pelo valor do seu carro. Se o comprador e o vendedor saírem com a imagem de que ganharam alguma coisa, o acordo é perfeito. Por isso é que as pessoas casam, porque os dois pensam que vão ganhar.

Agora, se a proposta de acordo econômico é uma proposta em que uns têm que fazer mais concessões que outros, sem levar em consideração o que significa o peso da indústria nos países desenvolvidos e nos países em desenvolvimento, sem levar em conta o que significa o peso da agricultura numa União Européia que deve empregar, no máximo, 2% de pessoas no campo, e num país africano, que emprega 70%, se não levarmos isso em conta, certamente teremos dificuldade em fazer acordo.


[...]

Eu sou cristão. Levanto todo dia de manhã crendo em Deus e que nós vamos conquistar melhores condições de vida. Nesse momento em que o mundo desenvolvido e o mundo em desenvolvimento, seja a União Européia, os Estados Unidos e o Japão, olham para o Brasil, a China, a Índia e o G-20, e sabem que as potências econômicas se equilibram com as potências humanas, porque representamos quase a metade da população mundial, somos países com potencial de crescimento extraordinário. E é mais extraordinário ainda que as nossas economias cresçam, porque tudo o que um europeu precisa querer é que nós sejamos bons consumidores. Quanto melhores consumidores nós formos, mais os europeus vão produzir e vão vender para nós, e mais nós seremos países em fase de desenvolvimento.

Se a gente acreditar nessas coisas e levar em conta que tem um componente político muito mais sério do que o componente econômico, que é a construção da harmonia e da paz nesse mundo conturbado que vivemos hoje, se nós não levarmos isso em conta, todos nós, ou pelo menos todos aqueles que têm a minha geração e que governaram o Brasil...



Eu disse ao presidente Bush, Durão Barroso, em Camp David, quando o visitei, e disse por telefone, há 15 dias, ao primeiro-ministro, meu amigo Tony Blair, que em determinados momentos históricos nós temos que escolher com que cara queremos passar para a história. E quando chega essa decisão, ela é eminentemente política, não tem mais nada de econômica e de comercial, ela é política. Eu dizia ao Tony Blair: você vai deixar o governo no mês de junho. Seria extraordinário que deixasse o governo com o acordo firmado. Disse ao presidente Bush: no ano que vem, você deixa a Presidência da República dos Estados Unidos, era importante que o acordo saísse antes. Dizia ao Chirac, em dezembro do ano passado, o Chirac já saiu, sem fazer o acordo.


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imagem: Palácio da Alvorada [Óscar NIEMEYER, 1958], residência oficial do Presidente da República Federativa do Brasil.