23 julho 2007

Diz-me de que cão gostas, dir-te-ei quem és.




O DN traz hoje uma tradução portuguesa do Hound of the Baskervilles, e a capa é um cão sinistro.

O livro, que li quando andava na escola, é delicioso, e a edição do DN terá o destino da maioria das coisas que vêm com os jornais: outro sítio que não a minha casa.

Esta edição foi bastante oportuna, num momento em que Portugal discute -- é o mais próximo que parece chegar-se de política nacional enquanto decorre a presidência portuguesa da UE -- o 'problema' dos cães perigosos.

De um lado vítimas ou pessoas escandalizadas com vítimas de ataques de cães de dadas raças e, do outro lado, os proprietários desses cães, que dizem que os cães são bonzinhos, o problema está nos donos e na forma como tratam os cães.

O que é certo e todos parecem concordar é que os ataques mais graves circunscrevem-se a raças específicas e das duas uma: ou, como dizem os primeiros, essas raças são de facto perigosas, ou, como dizem os segundos, as pessoas 'perigosas' que tratam mal os cães, compram 'essas' raças.

Na Austrália os cães considerados perigosos têm de usar coleiras identificativas. No Reino Unido há um Dangerous Dogs Act que data de 1991. As raças especificadas como perigosas são os Pit Bull Terriers [embora se refira que o Pit Bull abrange várias raças / sub-raças, como os Staffordshire Bull Terriers, American Staffordshire Terriers, American Pit Bull Terriers]; os Tosa, o Dogo Argentino e o cão de fila brasileiro. É preciso ter uma autorização de um tribunal para ter estes cães, e todos devem andar com açaime e trela em público, estar registados e dispor de seguro e ser-lhes implantado um microchip de identificação. A lista de cães periogosos pode ainda abranger outros terriers e os akita inu, alangu Mastiff, alano espanhol, bulldog americano, bully kutta, cão de luta de Córdoba, Dogue de Bordeaux, Dogo Cubano, tibetano, napolitano ou inglês, Dogo Sardesco, gull dong, gull terr, lottatore brindisino, bulldog inglês, perro de presa canario, perro de presa maiorquino, shar pei, staffordshire Bu, ...

É claro que o problema destes cães não existia até há uns 10 ou 20 anos. Até aos anos 70 / 80 havia problemas com cães? Não. algumas destas raças foram especificamente criadas para a luta. Ao contrário dos familiares golden e labrador retrievers, dos sossegados e amigos whippets, dos clássicos e brincalhões cocker spaniel ingleses, dos lindíssimos e meus favoritos: os galgos [os italianos, os de Rampur, os Karwani, os Chippiparai, os Hortaya Borzaya, os Rajapalayam] que não dão problemas de maior ou mesmo nenhuns em termos de segurança, sem deixarem de ser óptimos para a caça e grandes corredores: rápidos, silenciosos independentes.

Há ainda o fantástico fenómeno das lutas de cães , que parecem formar um interessante triângulo: são mais caros que a maioria dos outros, são usados muitas vezes em lutas de cães ou mesmo para atacar pessoas, e eventualmente dão dinheiro pelas apostas nessas lutas.

O ciclo é fatal: compensa-se o dinheiro gasto a comprá-los em lutas que dão dinheiro de apostas, e acabam por tornar-se ainda mais violentos pelas lutas em que participam. Se nas lutas asiáticas de galos não se teme ter galos a matar pessoas nas ruas, no caso dos cães é bem diferente.



O fenómeno sociológico à volta das 'raças perigosas' é também genial. Por alguma razão que não descortino, e que seria interessante ser analisado por sociólogos, polícia e serviços secretos é o tipo de pessoas que são donos desses cães.

Tipicamente, não vivem na Lapa ou no Restelo e provavelmente nem no centro da cidade de Lisboa, por exemplo.

São, em regra, dos subúrbios mais manhosos da capital, que envolvem -- não só mas também -- o famoso 'deserto da margem sul'.

Poderá ver-se esta observação como elitismo: mas com observação, facilmente se percebe que é verdade. Elitismo é precisamemte o que influencia em muito a aquisição desses cães, que acabam por ser sinais de status pessoal em certos bairros.

Mesmo sendo estes cães bastante caros. Ironias de um destino que não se sabe qual é.

Por outro lado, e embora não seja tão certo, é muito comum um mix sociológico com a malta do tuning [o chuning...] e das armas, sendo estes três 'hobbies', grandes negócios do bas-fond / underground e também três brincadeiras bastante perigosas. à qual se junta, por vezes, a participação em grupos políticos extremistas e claques de futebol.

Alguém sente segurança convivendo com cães perigosos, carros alterados e estupidamente velozes e ruidosos [quando os carros 'normais' já ultrapassam e muito aquilo que a lei permite aos condutores fazer], armas, claques ultras?

Não teria qualquer problema a apreciação de cães [esteticamente], ou de carros alterados [se for em propriedades privadas] ou da tecnologia de armas [algumas lindíssimas, e que podem ser calmamente usadas em propriedades privadas], ou de futebol.

Não tenho nada contra isso. Mas não pode aceitar-se que se faça isso em espaços públicos [excepção às claques obviamente].

E no caso das lutas de cães, nem em espaços públicos nem privados: quem faz isso não gosta de cães, é simplesmente sádico.

Não se trata de atacar quem tem hobbies, que pode e deve tê-los nas suas propriedades.

Trata-se de proteger aquilo a que chamamos sociedade e o bem comum.

Quem não percebe isso deve arranjar pais que lhe expliquem ou voltar à escola.

E quem não respeita isso não pode ter lugar na nossa sociedade, porque a coloca [e no caso das lutas de cães, os próprios animais] em perigo.

Marcadores: ,