27 fevereiro 2007

Música, Igrejas e 'Elites'


Entre outras coisas, diz Miguel no Blog do Piano que 'O que antes se limitava ao órgão fora substituído pela guitarra, bateria, baixo e piano. Tenros néscios. Aos poucos, os arquétipos estéticos e musicais alteraram-se e comecei a deixar o entusiasmo adormecer. Soltou-se uma toada funk e as congestões foram imediatas. A aconchegar o sono descontrolado estão as recomendações que os dirigentes dos coros debitam com devoção e credulidade. Nunca o apelo à sinceridade se tornou tão chato, tão irritante, tão intrusivo (um dia explanarei este tema). Ir à igreja possibilita a inquietação mas não aquela - a minha - inquietação. Tenho saudades do dirigente que apenas introduzia canções. Saudades do peso congregacional dos hinos. Saudades do uníssono brutal. Saudades do órgão. Acredito no órgão.'
Estas observações fizeram-me recordar uma recente e acesa discussão com um amigo meu, com a presença de um terceiro algo embasbacado.

Esse meu amigo é um católico fervoroso [adoro ter a ocasião de usar estas expressões].

É fervoroso também na música [aí já temos mais em comum].

No entanto não é um sujeito convencional.

Tem aquelas deliciosas contradições humanas, que nos tornam dignos de interesse. Gosta, por exemplo, dos poemas cantados de Manuel Alegre, apesar de ser, politicamente, de direita bem vincada.

E foi com ele que comprei discos dos Garbage, numa altura em que era mais dado ao jazz e à 'clássica'. Entretanto enveredei pela electrónica...

Ele [chamemos-lhe Wally] ficou escandalizado quando percebeu que me desagrada bastante ter-se esquecido a música clássica nas igrejas portuguesas, o local por excelência para ouvir Bach, Carlos Seixas, Charpentier, Morales, Häendel, Monteverdi, entre tantos, tantos clássicos.

Não digo -- nunca disse e espero não ser louco para pensá-lo -- que só de deve interpretar temas clássicos de forma clássica.

O que digo é que esses também existem. Não é só a guitarra e os coros juvenis da paróquia, por muito que isso seja importante para os próprios.

E há que equilibrar a balança.

Wally chamou-me elitista. Discordei.

Porque não fui eu que tirei essa música das igrejas e a pus em salas de concerto caras.

Foi a igreja. Foram pessoas como o Wally, que dirigem grupos corais de paróquias por este país fora.

Esqueceram séculos e séculos de música quase perfeita a favor de guitarradas que têm o seu lugar, mas não deviam ocupar todo o espaço.

Muito gostaria de ouvir novamente os clássicos nas igrejas.

Não vejo nisso elitismo. Pelo contrário, é democratização, aumento do acesso à música que alguns, estupidamente, chamaram 'erudita'.

Alguns que a tiraram do seu local natural, as igrejas.

Esses sim, são elitistas. E pior, ignorantes obscurantistas.

Wally, não te confundas com eles. Afinal, és meu amigo. E não foi por acaso que te tornaste um.

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