Julgamento de Mário Machado / SkinHeads
E é por estas razões -- sobretudo pela primeira -- que este texto pode não ser perfeito e porque apontamos pontos positivos e negativos à extrema direita portuguesa.
E é para mim interessante pensar e escrever sobre a extrema direita em Portugal por várias razões. Uma delas é porque o meu estilo de vida é muitas vezes associado à direita tradicional [prefiro a caça ao futebol e o cognac à cerveja, o contador indo-português ao móvel IKEA e o charuto ao cigarro, por exemplo], mas até me acho bastante liberal [não no sentido económico] em muitas coisas. Não me considero pois de esquerda ou de direita puras, e odeio o oportunismo e vazio do centro.
Escrever sobre direita é pois um desafio interessante e agradável.
O motivo é o caso Mário Machado; um exemplo sublime de léxico e inteligência política. A vénia a Mário Machado, embora discorde dele em muitos outros aspectos. Mas com o respeito que a democracia exige entre portugueses livres e conscientes.
Machado conta, desde logo, com o apoio indefectível de José Pinto Coelho, do PNR, um partido legal, quando a Constituição proíbe 'associações armadas nem de tipo militar; militarizadas ou paramilitares, nem organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista' (art. 46.º-3) e o prefácio até prevê o 'caminho para uma sociedade socialista'. É uma vitória fundamental de José Pinto Coelho e de Mário Machado.
A questão lexical referida envolve situações como a negação de racismo opondo o conceito racialismo.
Defendendo, por exemplo, que o orgulho branco não é um acto racista, mas um acto de orgulho nacional ou racial.
Outra vitória de Mário Machado é ter conseguido que o Bastonário da Ordem dos Advogados o tenha visitado, sem que os advogados nem a classe jurídica, nem o Presidente da República o tenham censurado o Bastonário por isso. O Bastonário terá dito que só foi visitar alguém de cuja prisão preventiva discorda. Ora haveria milhares de presos preventivos que poderiam ter sido visitados para o mesmo fim. Mas o Bastonário visitou um: Mário Machado.
Foi igualmente interessante a referência à sua situação como de prisão política, invocando o 25 de Abril [mês no qual estamos, curiosamente] e exigindo liberdade de expressão.
A extrema direita tem razão numa coisa: os portugueses, ou as pessoas em geral, têm uma opinião semelhante a eles. É um dos paradoxos da democracia e da natureza humana: ao amor possível entre as pessoas, junta-se o ódio e a inveja. E 'no fundo' as pessoas, portuguesas ou não, são racistas. Não digo que isso seja bom, ou aceitável, ou desejável. Apenas digo que isso é um facto. Achamos sempre que não deve haver racismo. Mas casaríamos com um negro/a? Não. É um facto. Acharíamos piada a ter um filho transsexual? Não, mesmo que digamos o contrário. Não é por acaso que as elites raramente têm negros ou hispânicos, mesmo em países com imensos, como os EUA ou Inglaterra. E Pinto Coelho sabe isso e, com mestria, sabe sugerir que os portugueses pensam como ele. E acredito que muitos pensem. E a maioria, mesmo que não seja racista, age de modo racista. É um facto.
O que já não creio ser aceitável é a utilização da violência. E Pinto Coelho -- que até suspeito ser meu primo bem afastado -- sabe que a maioria dos portugueses concorda comigo.
E é por isso que disse esta semana que Mário Machado soube passar de lutador armado para lutador político. Foi mais uma vitória de Mário Machado, apoiada no léxico e na inteligência conjunta com Pinto Coelho.
Esta distinção é fundamental: torna o PNR e o grupo de Mário Machado mais atraentes para os portugueses, num momento de crise do bloco central: os portugueses estão fartos do PS e PSD e odeiam os comunistas [que acham sempre iguais e maus] e pelos bloquistas [que foram moda e não passaram disso] e ainda menos pelo CDS [idem quanto à moda, conseguida e perdida por Paulo Portas].
O problema é que a prisão de Mário Machado [ou a 'última gota de água', para as autoridades] deveu-se -- aparentemente -- ao facto de ter aparecido na SIC exibindo armas alegadamente ilegais e a defender um putativo levantamento.
E esta foi a falha. Se isso pode trazer-lhe apoiantes de estrato médio [os activistas] causa-lhe dois problemas: perde militantes de base [porque o povo tenta evitar a luta armada e quer apenas luta política] e causa confrontos com o poder judicial [que embora descredibilizado, não está tanto que o povo se vire em defesa de Machado, que aí seria mártir, mas que para já não se torna].
No entanto, apesar desta falha, é sempre um treino, e Mário Machado conta com todos os pontos ganhos com o referido acima: tem o apoio do PNR, partido político legalizado, e com o apoio inédito do Bastonário da Ordem dos Advogados. E com uma inteligência política admirável.
Embora não concorde com as ideias de Mário Machado -- desde logo a utilização da força e o culpar os estrangeiros de todos os nossos males -- respeito a sua inteligência e a forma como tem gerido este processo, verdadeira aula de ciência política, juntamente com Pinto Coelho do PNR. Creio no entanto que matar não é a melhor solução, nem sou fã de tatuagens, heavy metal, Hitler e totalmente contra a imigração, como se tudo fosse bom em portugal e mau lá fora, a mesma forma que não é tudo bom lá fora e há imensas coisas e pessoas fantásticas no meu país que é Portugal, um dos mais antigos Estados do mundo.
Mas mesmo que que não concordemos, temos de reconhecer duas coisas.
Em primeiro lugar, são inteligentes.
E em segundo lugar, são políticos a sério: perfilham uma ideologia e defendem-na de forma activa. Mesmo não concordando, reconheço isso, sobretudo quando os restantes partidos [tirando os comunistas] já não têm ideologias nem acção. Apenas abrigam os boys do costume. Esses sim, são os responsáveis pelo estado das coisas. Não os estrangeiros[*] só porque são estrangeiros. Há bons e maus estrangeiros. E bons e maus portugueses. A criancinha do telemóvel era claramente uma má portuguesa. E Gulbenkian foi um óptimo estrangeiro. A minha empregada é uma óptima portuguesa. A Ratazzi foi uma péssima estrangeira. Enfim...
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[*] Note-se no entanto que o excesso de estrangeiros que não respeitem as tradições locais podem significar o fim de uma cultura. Será Londres ainda inglesa? Falaremos disso em breve. Mas não se ache que defendemos a expulsão dos estrangeiros, como sugere o PNR. Partilhamos a preocupação, mas cremos que a solução passa pela integração e não pela expulsão. Sendo que a integração supõe o cumprimento dos deveres e tradicionais nacionais. Em Roma sê Romano.
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