10 abril 2008

Tachos: distinguir o trigo do joio. Ou tirar coelhos da cartola.

No Público de hoje é divulgada uma acção de denúncia através da qual o PCP e Bloco de Esquerda demonstram como 'a nomeação de Jorge Coelho para presidir à Mota-Engil' é 'um exemplo de promiscuidade entre a política e os negócios. O PCP foi mais longe e desfiou uma longa lista de ex-governantes que foram para grandes empresas. E ficou sem resposta de todas as bancadas'.

Esta experiência é tão útil como perigosa.

É útil porque denuncia casos de possível corrupção, tráfico de influências e política suja, sem que tenha sido apresentada argumentação convincente pelos outros partidos.

É perigosa porque estimula uma característica bem portuguesa: a inveja e o tribunal popular.

Tem pois que ser gerida com cuidado.



Lê-se no Público 'outros exemplos de ex-ministros de Obras Públicas que ingressaram em grandes empresas, como Ferreira do Amaral (PSD), na Lusoponte, António Mexia (PSD) na Galp e depois na EDP. Bernardino Soares referiu também muitos casos na banca: um ex-ministro PSD (Fernando Nogueira), um ex-secretário de Estado da presidência (Paulo Teixeira Pinto, PSD) e um ex-ministro-adjunto (Armando Vara, PS) no BCP. O Banco Santander recrutou uma ex-ministra das Finanças (Manuela Ferreira Leite, PSD) e um ministro da Presidência (António Vitorino, PS). Foram também referidos "vários ministros e secretários de Estado" que foram para o Banco Espírito Santo, Banco Português de Negócios ou Banco Privado Português. Noutras áreas, o líder da bancada do PCP referiu ainda um secretário de Estado da Saúde (José Lopes Martins, PSD) para a administração do Hospital Amadora-Sintra cujo contrato negociou, um ex-ministro do Desporto e da Administração Interna (Fernando Gomes, PS) na Galp, e um ex-ministro das Finanças (Pina Moura, PS) na Iberdrola e na Prisa. Nem mesmo a Assembleia da República escapou ao rol: "Até temos um deputado, porta-voz de um partido, e logo o mais representado que é provedor das empresas de trabalho temporário e defende, claro está com toda a independência que a legislação laboral devia ser mais liberalizada", prosseguiu Bernardino Soares, referindo-se ao dirigente socialista Vitalino Canas. Para o líder da bancada comunista, “esta situação de promiscuidade mina os alicerces do Estado democrático, compromete a independência de decisão e dá justificadas razões para que o povo esteja descrente nos partidos que alternam a governação”. Esta declaração política foi recebida com silêncio. Nenhum partido quis intervir. [...]



Helena Pinto referiu o caso de Jorge Coelho na Mota-Engil, “uma das construtoras com maiores interesses nas actuais concessões de auto-estradas, algumas delas assinadas pelo próprio Jorge Coelho, e nas futuras obras públicas agora anunciadas pelo primeiro-ministro”. [...] Em defesa de Jorge Coelho, o deputado socialista José Junqueiro disse não poder aceitar que se façam “juízos de valor sobre a honestidade de pessoas que estão na vida pública”. Jorge Coelho “saiu da política há sete anos, a lei das incompatibilidades não foi ferida”'.

Como é evidente é de louvar que as acusações tenham sido fundadas com exemplos, que devem agora ser investigadas pelo Ministério Público e tratadas nos tribunais.

O que tem de provar-se é que há tráfico de influências. Não se pode condenar um deputado porque trabalha ou trabalhou para o sector privado, mas porque esse trabalho perturba o exercício da sua missão parlamentar e/ou está associada a práticas de corrupção e/ou tráfico de influências. Não é de admirar que um banco contrate um político que é economista. Mas é claro que um indivíduo sem CV na área da empresa que o contrata depois de ser ministro, levanta desconfianças... e deve ser investigado.



O silêncio das outras bancadas parlamentares é de lamentar [faz lembrar o 'só falo na presença do meu advogado'] e a putativa defesa de José Junqueiro é falhada: o facto de Jorge Coelho, por exemplo, ter respeitado os anos que a lei impõe entre o exercício dos dois cargos nada nos diz que não houve corrupção. Diz-nos apenas que entre as funções públicas e as privadas houve um período de nojo correspondente aos anos estipulados na lei.

Mas o que está em causa não é se os políticos portugueses respeitam o período de nojo previsto na lei.

O que está em causa é:

1. casos de tráfico de influências e falta de independência;
2. se a lei das incompatibilidades é correcta e, não o sendo, deve ser alterada.

O facto de se ter estado 7 anos fora da política não nos garante que um ex-ministro que sobre à administração de uma construtora civil sem ter CV nessa área não favoreceu e não favorecerá interesses privados contra interesses públicos.

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