01 novembro 2007

O editorial tolo.

Seria interessante que o senhor Macedo -- e o Diário Económico, que não o demitiu -- explicassem porque associam o sindicato dos pilotos portugueses a pessoas armadas...

O fim da monarquia e o século XX, em particular o pós [2ª] guerra, foram de grande mudanças sociais. Uma delas foi a emergência dos anónimos. Cargos outrora reservados a uma elite [senão económica, pelo menos intelectual], passaram a ser acessíveis a quase todos. Isso trouxe pessoas de qualidade, mas também alguns penetras tristes.

Li um editorial bem tolo do Diário Económico. Era quarta-feira, 24 de Outubro de 2oo4, e estava eu precisamente no aeroporto de Lisboa.

Sob o título de ortografia duvidosa 'O sindicato xiíta' [sic], um senhor chamado André Macedo, referido como 'director adjunto', com a sua foto ao lado [em mangas de camisa, sem casaco, apesar de ter uma gravata], 'escreveu' sobre a greve dos pilotos.



Confesso que não sou piloto e acho que não conheço nenhum da TAP. E até sofri com a última greve: tive de antecipar um voo que tinha para um dos dias de greve.

No entanto, não estou aborrecido. É raro haver greves de pilotos [o que aborrece mesmo é que as façam no Natal, como já sucedeu]. Pessoalmente não me ralo: a confusão nos aeroportos é tal nessa época que me abstenho, se puder, de por lá passar.

No dito editorial, escreve o senhor Macedo que 'Há muito tempo que os sindicatos deixaram de importunar as empresas privadas com greves sucessivas'.



Pergunto-me se a greve da TAP era sucessiva. Creio que não. Isso é a dos funcionários dos museus, que faziam sempre na mesma altura do ano.

Diz o senhor Macedo que 'as empresas paralisadas ficavam em situação ainda mais difícil e eram obrigadas a fechar as portas de vez'. Ora afirmando-se como bom defensor do mercado, não se percebe como é que não aceita isto bem. Eu aceito. Se uma empresa fecha por causa de uma greve, é porque não geriu bem a relação com o seu pessoal e não o manteve estimulado. E se fechou, azar. Haverá outras. É o livre mercado, caro editor do Diário Económico...

Continua o senhor Macedo: 'Como o emprego é cada vez mais um bem escasso, esta forma de protesto perdeu relevância. Hoje está confinada a dois oásis: a função pública e as empresas que ainda funcionam debaixo do tolerante guarda-chuva do Estado. Compreende-se: para estes trabalhadores privilegiados – privilegiados por terem emprego para a vida, sem riscos e sujeitos a fraca concorrência – não há dias de chuva. O posto de trabalho está garantido. O salário chega sempre no dia combinado, certinho e contadinho. Os direitos são sempre mais do que os deveres. E a vida continua, na sua cómoda irresponsabilidade'.



Esta afirmação é ainda mais 'cassete' que a cassete atribuída aos comunistas pelos marretas do Contra Informação.

Tal como outros, o senhor Macedo [há que apontá-lo, uma vez que é ele que assina o artigo e coloca a sua foto, mesmo sendo um editorial] parece ter o complexo de ego, a inveja, de não ter uma situação semelhante. Porém -- sinal de duvidosa inteligência, na minha modesta opinião -- em vez de lutar para ter esses mesmos direitos, escreve um artigo a defender que outros os percam... Peculiar, vraiment.

Então 'trabalhadores privilegiados – privilegiados por terem emprego para a vida, sem riscos e sujeitos a fraca concorrência [...] O posto de trabalho está garantido. O salário chega sempre no dia combinado, certinho e contadinho. Os direitos são sempre mais do que os deveres. E a vida continua, na sua cómoda irresponsabilidade'.



A última frase é típica do ressabiado.

As restantes parecem saídas de uma economia manhosa na África ou na Ásia: para o editor Macedo, parece ser normal não ter estabilidade laboral e sobretudo ter salário ao calhas, sem dia, errado e não contado. E ter muitos deveres e poucos direitos. Sinceramente, caro senhor Macedo, os seus filhos, caso os tenha, devem sofrer... Uma mesada ao calhas, sem dia certo, em valor errado e não contado. E muitos deveres e poucos direitos. Um verdadeiro Torquemada da paternidade [mas sem a cultura de Torquemada]?



Arauto da 'responsabilidade', admira que o autor do artigo tenha como emprego o de editor de um jornal económico em Portugal, um dos países mais pobres da Europa. Com tanta sabedoria de mercado e tendo em conta a sua idade, esperava vê-lo como senior banker ou analyst ou mesmo VP aspirante a director em qualquer dos grandes bancos de investimento em Nova York, Tóquio ou Londres. Mas não. Continua na Rua da Oliveira ao Carmo, a escrever editoriais.

E insiste o senhor Macedo: 'Os pilotos da TAP e o sindicato xiíta [sic] que os representa são assim: irresponsáveis. Não é exagero, é a verdade. Vejamos: o que querem os pilotos. Simples: trabalhar menos, trabalhar até aos 60 anos. Faz sentido? Há razões de segurança que justifiquem este privilégio que outras classes estão a perder e que outras mais perderão? A resposta é simples: não'.

Poderíamos ter achado que o senhor Macedo tinha tido um lapso. Mas não. Aqui repete e reforça a ideia: a reforma aos 60 é um privilégio. Suponho que o senhor Macedo não se queira reformar. Problema seu e de todos os que não têm personalidade própria e capacidade de gerir tempos livres, muitas vezes devido a uma origem social infeliz. Deixe os outros em paz. Diz que 'Há razões de segurança que justifiquem este privilégio que outras classes estão a perder e que outras mais perderão?'. Ora há quem ache que sim. Primeiro quem entenda que não é um privilégio, mas um direito. Segundo, quem entenda que se alguns já o perderam, não devem perder os outros esse direito, que deve ainda ser recuperado para os que o perderam. Chama-se a isto consciência social, ética e princípios, caro senhor Macedo, pilares da qualidade de vida numa sociedade avançada. Contrariamente a si [a atentar ao seu editorial], há quem não deseje ser um joguete de uma economia feudal. Provavelmente até, muitos membros do Diário Económico, mal representados pelo editorial que o senhor assinou.

O senhor Macedo continua os disparates, dos quais acredito que não terá culpa [é uma vítima do sistema e de fraca educação, dirão]: 'Os 670 pilotos da TAP não pensam, no entanto, assim. Representados por um sindicato em chamas, querem continuar a viver numa bolha luxuosa. Querem salários de futebolistas e estatuto de astronautas. Deviam saber: não são uma coisa nem outra. São pilotos de uma empresa que vai ser privatizada em breve – esperemos que depressa. Não há nada que algumas colheradas de mercado e concorrência não resolvam. A vida vai ser dura'.

Pergunto-me o que ganhará o senhor Macedo com estas afirmações disparatadas. Um cargo na direcção de um jornal de um país perdido na Europa? A mim soava a bem pouco.



Continua o discurso do medo e da repreensão. Num misto de 'Ministra da Educação' [em versão masculina] e de 'Donald Trump' [em versão pobre], o senhor Macedo espraia a sua inveja, a sua frustração [nunca conseguiu ser futebolista, quanto mais piloto], e portanto escreve em jornais, de forma [essa sim] incendiária.

Para ele, a privatização é óptima: despedir pessoas vai acalmá-lo um pouco.

Só tem um paradoxo: reduz as receitas do Estado [pois a TAP para ser 'privatizável' tem de ser lucrativa] e vai fazer aumentar os impostos.



Paradoxos do 'neo-liberalismo'.

E ficámos sem saber porque é que o senhor Macedo intitulou o seu editorial de 'O sindicato xiíta' [sic].

Esperemos que não lhe dêem razão. Porque se assim for e os xiitas forem assim tão violentos, o senhor Macedo não estará cá para a semana para escrever outro editorial.

Mas receio que não sejam.

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