12 abril 2007

Eça, sobre o Afeganistão


‘Os inglezes estão experimentando, no seu atribulado imperio da India, a verdade d’esse humoristico logar commum do seculo XVIII: «A Historia é uma velhota que se repete sem cessar».

O Fado ou a Providencia, ou a Entidade qualquer que lá de cima dirigiu os episodios da campanha do Afghanistan em 1847, está fazendo simplesmente uma copia servil, revelando assim uma imaginação exhausta.

Em 1847 os inglezes, e «por uma Razão d’Estado, uma necessidade de fronteiras scientificas, a segurança do imperio, uma barreira ao dominio russo da Asia...» e outras cousas vagas que os politicos da India rosnam sombriamente, retorcendo os bigodes – invadem o Afghanistan, e ahi vão aniquilando tribus seculares, desmantelando villas, assolando searas e vinhas: apossam-se, por fim, da santa cidade de Cabul; sacodem so serralho o velho emir apavorado; collocam lá outro de raça mais submissa, que já trazem preparado nas bagagens, com escravas e tapetes; e, logo que os correspondentes dos jornaes têm telegraphado a victoria, o exercito, acampado à beira dos arroios e nos vergeis de Cabul, desperta o correame, e fuma o cachimbo da paz... Assim é exactamente em 1880. [...]

E de tanto sangue, tanta agonia, tanto luto, o que resta por fim? [...]

No entanto a Inglaterra gosa por algum tempo a «grande victoria do Afghanistan» -- com a certeza de ter de recomeçar, d’aqui a dez annos ou quinze annos, porque nem pode conquistar e annexar um vasto reino, que é grande como a França, nem póde consentir, collados á sua ilharga, uns poucos de milhões de homens fanaticos, batalhadores e hostis. A «politica», portanto é debilital-os periodicamente, com uma invasão arruinadora. São as fortes necessidades d’um grande imperio. [...]’

Eça de Queiroz [1928] Cartas de Inglaterra, Porto: Livraria Chardron, de Lello&Irmão, Editores, pp.5-9

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