13 agosto 2006

Trufas e 'Don Pérignon'


era o título de uma crónica de Nuno Brederode Santos no DN de 6 de Agosto.

O autor referia-se, no texto, a um almoço entre os líderes do Nova Democracia e do CDS-PP. E gozava com o fait-divers, dizendo que 'Agosto promove os factos a acontecimentos'.

Ao lado deste 'facto' social / gastronómico virado 'acontecimento' político / jornalístico -- e sem querer 'promover' o segundo -- destacamos uma frase deliciosa:

'Nada disto impede Monteiro de ser um caso de urbanidade. Quero até crer que qualquer pessoa pode trocar um almoço a sós por outro com ele (desde que não tenha reservas à nouvelle cuisine e aceite pagar meio salário mínimo por um lombinho de azeitona em sua cama de alface')'.

Lorenzetti não sabe se Brederode Santos inventou a receita ou se simplesmente se recordou de algum trauma [ou vários traumas] que terá tido na leitura de ementas.

Lorenzetti partilha, no entanto, a observação. Os restaurantes portugueses estão completamente inquinados pelo embrulho.

Já aqui comentámos que o problema de Portugal em muitas áreas era [e é] a embalagem. O embrulho. A imagem.

Na restauração, sobretudo em Lisboa e um pouco no Porto -- e depois em restaurantes muito localizados, em particular Algarve e Minho, sobretudo em complexos de alegado luxo e pousadas -- temos uma verdadeira 8-80.

A comida era óptima e em alguns casos continua a ser, se os produtos continuarem de qualidade e a cozinha também. Porém, o aspecto era 'pouco sofisticado' [para citar as observações de painéis internacionais, inclusive na área dos vinhos].

Faltava o embrulho. Agora os embrulhos proliferam. Como naqueles natais desorganizados onde não se sabe onde pôr tanto papel de embrulho que, de repente, já não serve para nada e passou a ser horrível.

A qualidade, essa, ressente-se. Porque a imagem afinal vende, e o 'público' já nem percebe nada do conteúdo.

Style over content.

Um bacalhau à braz passou a Bacalhau da Noruega com à Braz de Espargos flambeados ou algo do género, sem que se alterem por demais as receitas ou se façam grandes inovações [muitas vezes para cortar custos, reduzindo-se também as doses e a quantidade de carne e peixe].

Para quem sempre gostou de comer e os restaurantes eram quase primos, as alterações foram [e continuam a ser] enormes nos últimos 5 anos.

Inseriram-se modas, as casas abrem e fecham, interessa serem espaços minimamente giros, ementas muito originais, e um quase barroco[mas sem qualidade] nomear de produtos.

Se surge alguma crítica, o empregado nem fica ofendido nem fala com o chef ou aceita a sugestão de modo discreto. Ousa, muitas vezes, responder, do alto da sua sabedoria [não de chef, mas de empregado de mesa!!] sempre defendendo o seu chef [mal sabe ele] e a 'casa' onde trabalha. A emenda é mais das vezes pior que o soneto, porque o empregado, vindo do Brasil ou da Brandoa, mal sabe o que é um restaurante e o que é culinária. Falar-lhe de Escoffier ou da Berta Rosalimpo é chinês. Bem podia ficar-se pelo chop-suey.

Claro que o típico pato-bravo ou o trintão que chegou ao topo da carreira e de genealogia [porque os seus antecessores não comiam mais que papos secos e carrascão] e que diz que sim a tudo e nunca reclama [porque pode dar ar de quem não sabe] vive bem com isto.

Quem conhece Lorenzetti sabe que este é um tema para mil posts, onde se corre o risco de discorrer até à náusea.

Porque é isso mesmo que Lorenzetti sente hoje na maioria dos novos restaurantes: náusea.

E não é por ser apologista da 'comidinha de casa' e dos 'velhos tempos'. É porque a fraude prolifera.

Ainda bem que há excepções. Ou pessoas sérias. Que não dormem em 'caminhas de alface', esse vegetal infame.