09 novembro 2007

Juntas Médicas.



O Governo alterou hoje, finalmente, a composição da juntas médicas: é o DL 377/2007.

Vamos ver se resulta -- tudo depende, como sempre, da aplicação da lei, e não da sua letra...

Podia dizer-se que as juntas médicas têm causado sensação nos últimos tempos, pelos casos escandalosos que têm vindo a público, tipicamente de portugueses com doenças degenerativas muito graves obrigados a desempenhar funções para as quais não têm qualquer perfil clínico, com prejuízo dos próprios e dos utentes dos serviços públicos. Assim acontece no mundo obcecado pelo défice [que não é sequer um requisito nacional, mas algo definido pela Comissão Europeia, onde Estados como França -- mas não Portugal -- intervieram no sentido de salvaguardar os interesses das populações e o Estado Social dos efeitos nocivos de uma obsessão orçamental como se vive em Portugal e que espantosamente ainda não conduziu ao pior, como uma guerra civil ou golpe de Estado. Esperemos que não, mas o tempo o dirá, num país de brandos costumes e na ressaca de 40 anos de ditadura e pobreza extrema, que parece estar a voltar].



O 'último' caso que me recordo de ver na comunicação social era o de uma funcionária de uma junta de freguesia que, como todos os portugueses repararam, tinha um colar cervical permanente [o que, digamos, afecta 'algo' a locomoção e autonomia] além de incapacidade de esforço e movimento constante, devendo estar deitada na maioria do tempo, de modo a não exercer pressão sobre a sua coluna.

Dizia-nos o Público em 4.11.2oo7 que 'Uma funcionária pública que estava de baixa há três anos devido a uma operação cirúrgica mal sucedida, que a deixou fisicamente limitada, foi notificada pela Caixa Geral de Aposentações para se apresentar, segunda-feira, ao serviço.“É uma situação inadmissível, revoltante, injusta e, acima de tudo, desumana”, disse hoje, à Lusa, Ana Maria Brandão, de 43 anos, funcionária administrativa na Junta de Freguesia de Vitorino de Piães. Depois de uma operação mal sucedida a uma hérnia discal, em 1998, Ana Maria é hoje obrigada a usar um colar cervical dia e noite, uma braçadeira no braço direito e uma cinta lombar.“A minha dependência de terceiros é total, mas amanhã, às 9h00, lá estarei, na sede da Junta de Freguesia, para pegar ao serviço”, diz, acrescentando que não consegue escrever, “nem virar uma página”, abrir uma porta, pegar numa pasta, andar mais de 20 metros sem ajuda, ou ir à casa de banho sozinha. Em Fevereiro de 2006, Ana Maria foi a uma junta médica da ADSE, que a terá considerado incapacitada para o trabalho. “Mas entretanto uma outra Junta Médica, na Caixa Geral de Aposentações de Viana do Castelo, disse que não senhora, que ainda podia trabalhar, que ainda era muito nova para a reforma e, na sexta-feira, sou informada pela Junta de Freguesia de que tenho ordens para voltar a pegar ao serviço”, criticou. “Vou ter que ir com o meu pai e ele vai ter que ficar lá o dia todo comigo, porque nem sequer me posso baixar para apanhar um papel que eventualmente deixe cair ao chão”, acrescentou. “Tenho uma lombalgia e uma cervicalgia degenerativas. Se eu peço a reforma é porque sei que não tenho cura. Tomara eu poder sentir-me em condições de voltar ao trabalho e de fazer uma vida normal”, desabafou.Já participou mesmo o seu caso à Procuradoria-Geral da República, que a aconselhou a defender os seus interesses pelas vias judiciais, uma vez que o assunto “não se insere no âmbito da intervenção” daquele organismo. “Não queria ir por aí, porque somos uma família de parcos recursos e toda a gente sabe como os processos em tribunal são morosos e dispendiosos. Mas essa é uma hipótese que tenho que equacionar, em nome da justiça e da minha própria dignidade”, disse ainda.'



Será que uma funcionária com este perfil pode 'funcionar'? Evidentemente que não. E claro que a Junta Médica terá achado o contrário, tanto que o caso veio a público: para ter nova 'baixa', a Senhora teria de exercer funções durante algum tempo. Quando poderiam, perfeitamente, conceder-lhe uma reforma por doença ou uma aposentação compulsiva. E mesmo que não existisse juridicamente essa possibilidade teria de ser criada, pois o Direito é um instrumento do Estado para beneficiar os cidadãos e não um ente autónomo e ditatorial com o qual temos de nos conformar sem limites.

O mais delicioso foi o chefe imediato da referida funcionária ter afirmado que não fazia sentido nenhum ter uma funcionária naquelas condições e que os membros da junta médica em causa deveriam ter sido julgados como qualquer criminoso.

Nem mais.

PS - Depois deste post, foi publicado um artigo de delicioso escárnio da autoria do famoso 'Comendador Marques de Correia', nas Cartas Abertas do Expresso [p.114 da revista Única de 1o.11.2oo7]. Entre outras coisas, diz-se que 'A Junta Médica substituiu, em Porugal, a Santa Inquisição'. 'Hoje, funcionário público debilitado pela doença bate com os costados na Junta Médica e, a menos que se pode que nem um dedo pode mexer, é considerado apto para o trabalho'...

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