14 abril 2007

A 'saison', again.


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A London-Season, a celebre estacao de Londres, quando a Aristocracia, maior e menor, os dez mil de cima, como se dizia antigamente, o folhado, como se diz agora, recolhe dos parques e palacios do campo aos seus palacetes e jardinetes de Londres -- passa-se em abril, junho e julho, verdade seja. Mas essa é uma vã e ôca estação de trapos, de luvas de vinte botões, de lacaios de champagne, de batota e de cotillon. emquanto que as outras!...
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Eça de Queiroz [1928] Cartas de Inglaterra, Porto: Livraria Chardron, de Lello&Irmão, Editores, pp.19-20

'Como sabem, Londres só é habitado desde os começos de maio até aos primeiros dias quentes de agosto.
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É esta fresca ralé que fica em londres; de modo que a humanidade superior, os dez mil de cima, como aqui tão pittorescamente se diz, partem para os seus castellos, as suas villas à beira-mar, ou os seus yachts, - - londres, apenas habitado pela turba abjecta, torna-se, sobre a face da terra, como a lamentavel Cacilhas. Nenhum gentleman que se respeite e queira manter o seu bom nome social ousaria confessar que esteve em londres em janeiro: correria o risco de ser tomado por um tendeiro, ou, peior, por um philosopho, um poeta, um d'esses sêres rastejantes, vis como o lixo, sem castello e sem matilha de cães que nenhuma Lady quereria ter no seu «rol de visitas».
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Pois bem, tudo isto se vae reformar! e este anno será moda passear em Piccadilly, ou florear de rosa ao peito em Pall-Mall, em pleno janeiro, na espessura dos nevoeiros. Esta revolucao consideravel, foi, como todas as fecundas revolucoes, tramada, prégada, popularisada pelas mulheres.
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Havia longos annos que estes anjos soffriam com impaciencia a melancholia da vida do campo, durante o longo inverno saxonio. Ainda, nos primeiros tempos, depois de deixar as glorias de Londres e os esplendores da season, a existencia era toleravel. Havia as regatas elegantes de Cowes; ia-se estar uma semana á ilha de Wight; depois vinham as festas da abertura da caça; seguia-se a época dos yachts, as viagens ás costas da Noruega, ás Hebridas, ás praias elegantes da Normandia; depois, quando a côrte está na escocia, vinha a caça ao veado, os bailes de gellies das montanhas... enfim, vivia-se. Mas, com a chegada da dezembro, da neve uma formidavel lei social, a fashion, obrigava os dez mil de cima a recolher-se aos seus castellos, á solidão do campo.
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Os homens, esses, de manhã, têm a caça, os galopes fuiosos, devorando prados, saltando sebes atraz de uma raposa espavorida, ao grito barbaro de Hally-hó! Depois, á noite, tomado o banho e vestida a casaca, têm o grog forte no fumoir.
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Mas uma dama das dez mil não faz nada; os seus grandes talentos, a toilette, a graça de receber, a intriga politica, o brilho da conversacao, o chic esthetico, cousas em que prima, não lhe servem no isolamento relativo do castello, sob as torrentes da chuva. O seu palco natural é o salão de Londres. Alli, no campo, nas longas galerias, onde pendem as bandeiras que os seus antepassados tomaram em Azincourt ou Poitiers ou, se os avózinhos nunca invadiram a França, as bandeiras compradas no antiquario da esquina, Mylady boceja; ou estendida n'um sofá, na sua robe-de-chambre do brocado branco de Genova, com uma novella cahida no regaço, olha os flocos de neve empoando os grandes carvalhos do parque. Depois vem a noite. É o peior.
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E os homens mesmo soffriam. galopar n'um cavallo de preço sobre a terra dura de neve, ao lado da matilha, por uma manhã de brisa fria -- tem encanto. Mas póde-se isso comparar á delicia de ir tagarellar para o club, ter todas as noites tres ou quatro bailes, fazer phrases sobre a questao do Oriente, e ceiar com Miss Fanny, n'um quente boudoir de velludo, emquanto fóra a plebe patinha na lama de Londres?! Não, não se póde comparar.
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- Meu Deus, que deliciosas noites se vão passar no Club!'

id., pp.37-44