23 janeiro 2007

deste Portugal que anda engravatado todo o ano e se assoa à gravata por engano



A frase de Alexandre O'Neill [não a do cherne...] anda de coluna em coluna de jornal, agora que se discutiu a petite question jardino-madeirense de dress code para jornalistas na Assembleia Legislativa da Madeira.

Apesar das alterações climáticas, Portugal -- e vários Estados sul-europeus -- insistem em manter o uso, em certas circunstâncias e inclusive no Verão, de fato escuro.

Isto tem dois elementos extraordinários. O primeiro é o da regra em si. O segundo é o da sua relação com a realidade.

A regra em si até podia ser aceite: podia aceitar-se, hipoteticamente, que tem de haver 'decoro', 'disciplina', 'distinção', 'respeito pelas instâncias públicas ou privadas', 'classe e bom gosto', 'profissionalismo', 'aprumo', ya-da, ya-da, ya-da.

Mas mesmo que isto se aceitasse, a realidade é bem diferente.

Mesmo que os Portugueses não se assoem à gravata, 'classe e bom gosto' não impera, e devia saber-se isso. O fato pelo fato, então, não teria sentido nenhum. Pululam as gravatas de padrões ridículos, de cores saltitantes, difusas, mensagens e bonecos deploráveis, fatos de corte ordinário, materiais surreais, coçados, mal acabados, de Verão no Inverno, de Inverno no Verão, de provincianos botões dourados com ou sem motivos náuticos, sapatos de pala ridículos ou mesmo com fivelas laterais possidónias, e de borracha [porque a verdadeira sola mata com a famosa, querida, mas assassina porque escorregadia e absolutamente irregular calçada portuguesa].

Abundam as camisas de padrões abomináveis, quantas vezes enrugadas, de tamanho errado, com o 'botãozinho' aberto [sim, porque as gravatas apertam os pobres Portugueses e as camisas também] e porque não, a gravata à banda, porque é mais confortável e dá um toque blasé, para não dizer rústico. E claro, nalguns casos, botões de punho que em regra roçam [ou espalham-se à grande] o pindérico.

Na prática, o uso do fato é pois um flop no que concerne ao estilo.

E assim acontece quanto ao conforto: nenhum ser minimamente credível pode dizer que se sente confortável num fato, de gravata bem ajustada ao pescocito, com 30 graus.

Além de desconfortável é, no mínimo, pouco higiénico. A menos que esse indivíduo circule, 24 horas, em ambiente climatizado, leia-se, com o ar condicionado [AC] a 16 graus. Coisa que não acontece, salvo num número reduzido de casos [sair de casa com AC, entrar directamente na garagem com AC, no carro com AC, na garagem com AC, no escritório com AC, etc.].

O verdadeiramente extraordinário é o uso do fato ser regra em alguns ambientes não climatizados, profissionalmente falando.

Ou haver loucos que fazem casamentos no Verão, em pleno dia, com 30 graus, e fato, fraque ou casaca...

O fato até é útil, um refúgio: é o menos imaginativo possível [salvo os tais fatinhos de bonecada e as gravatitas ridículas] e salva quem o usa de decidir como vestir-se. Esse sim, seria o grande desafio à 'elegância' e 'classe', argumentos utilizados pelos defensores da 'gravata'.

Entre os jeans, a gravata e as havaianas, o Português não saberia o que fazer. Desse ponto de vista L. até percebe. E tem pena.

No Japão abandona-se o fato, para [para variar] poupar Energia.

No Canadá, o nosso amigo X diz-nos que pode trabalhar de calções... jeans é que não.

Num banco suíço, numa sociedade de advogados parisiense e numa broker inglesa, os nossos amigos Y, W e Z dizem-nos que usam fato, que é regra e que acham bem. Mas que achariam mal em Portugal, porque não tem nada a ver com as características do país, desde logo o clima e, suspeitam eles [erradamente, infelizmente!] a 'descontracção' e simpatia do povo português.

Podemos ser simpáticos. Mas continuamos contraídos na nossa ignorância e não aceitamos que um homem de calções possa ser um génio na banca [e não estamos a falar de peixe] ou que um homem sem gravata possa defender-nos em tribunal com excepcional competência.

Continuamos a valorizar o que não interessa.

Missing the point.

Por isso, continuamos atrás. Se não dos outros, pelo menos do nosso potencial.

A gravata -- sobretudo a bimba -- é como um garrote que estrangula Portugal na sua própria estupidez.