06 novembro 2006

Leituras de jornal

Insisto em fazê-las, apesar dos non-issues e das não-notícias que aparecem e dos comentadores, na sua maioria, manhosos.

Desta vez, destaque para 'Sócrates diz que EUA são exemplo de respeito pelos direitos humanos' no DN, Sócrates referiu que cada Estado tem "uma escolha política a fazer" para lidar com a imigração: ou opta pela via securitária e unilateral ou pela que concilia a segurança com integração e apoio ao desenvolvimento.

O líder do Executivo socialista recusou, porém, colocar os EUA no grupo de países que aplicam uma resposta exclusivamente securitária em matéria de imigração. E precisou: "Em matéria de visão humanista e respeito pelos direitos humanos, não encontro melhor exemplo do que os EUA, a política externa [norte-americana] valoriza estes pontos."'.

Sinceramente não fazemos ideia do que passou pela cabeça do actual Primeiro Ministro de Portugal.

O resultado é obviamente desastroso e quase pueril.

É certo que Nova York terá bons clubes de jazz, museus e lojas, Boston será uma cidade agradável, S.Francisco um local apetecível para gays ou simplesmente pessoas criativas, o Vermont um bom local para o ski, Chicago e Detroit bons locais para ouvir música electrónica, que o cinema americano tem muitas coisas boas e Yellowstone é um belo parque. Mas isso não pode basear diagnósticos sobre direitos humanos.

Ignora-se o famoso (e difícil green card), esquecem-se as intervenções militares crónicas, esquecem-se 'pormenores da história' como Guantanamo e os sequestros associados a voos 'secretos', esquece-se a violência policial naquele país.

Mais do que sem qualquer sentido, o comentário do actual Primeiro Ministro Português é um insulto à União Europeia, que é o exemplo hoje de democracia, incluindo em particular o respeito pelos direitos humanos, sobretudo no aspecto da imigração.

Esquece-se, é claro, a liberdade que hoje existe na União Europeia, trazida pelas liberdades de circular e trabalhar no espaço Europeu, que reúne quase 30 Estados.

E esquece-se o Primeiro Ministro português que os EUA -- ao contrário da Europa -- não são 'abertos' por opção.

São um local para onde se transferiram pobres e miseráveis europeus, desde irlandeses famintos a judeus em fuga. Não houve um país a recebê-los. Houve um país que nasceu deles e que ainda hoje tem problemas de identidade (ou ausência de cultura), bem visíveis nas histerias de bandeira e afins. Quem não percebe isto...


'os EUA são um "exemplo" no respeito pelos direitos humanos e na defesa de uma visão humanista, sublinhando que estes valores estão no "coração" do povo norte-americano e na Constituição do seu país'
, disse ainda o actual Primeiro Ministro de Portugal.

Esquece-se que os EUA ainda têm coisas primárias como a pena de morte, e que neste preciso momento o Presidente dos EUA (veja-se a mesma edição do DN...)apoia a morte por enforcamento de Saddam Hussein: 'Nas reacções, destaque para o regozijo dos EUA, a apreensão da Rússia e as reticências da UE'. Só falta matarem o homem com uma túnica do Ku Klux Klan.

Isto são muitos esquecimentos. Se fosse alzheimer percebia-se e dava-se o destino adequado. Suspeito que seja incompetência e desejo que não seja cumplicidade.

Custa-nos dizer isto do titular de um cargo tão relevante (até porque as declarações em causa foram proferidas num fórum internacional). Mas estamos desiludidos e embora seja conhecida a vertente apartidária de Lorenzetti, achamos que em casa devemos fazer balanços. E em casa, não podemos rever-nos nesta posição do Primeiro Ministro, nem deixar de dizê-lo...