17 outubro 2004

Renée Fleming

Mais uma vez, o Serviço de Música da Fundação Calouste Gulbenkian apresenta uma intérprete de peso: Renée Fleming.


O concerto assume especial destaque por ser a primeira vez que Fleming actua em Portugal.

O semanário EXPRESSO destaca o evento colocando Fleming na capa do suplemento cultural, sob o título 'A rainha do belcanto'. Ainda que ao ler a entrevista a Fleming se perceba a 'graça' [o nome originalmente escolhido pelos seus pais teria sido 'Reine'=Rainha, e não Renée], é bem verdade que insistimos em lançar qualificações à toa.

Quando vieram Barbara Hendricks ou Angela Gheorgiu, epítetos semelhantes se lançaram.


Assim, o reino do 'belcanto' terá umas cinco pessoas no trono. Pelo menos...

De lado o queixume, noto que não fui ao concerto pelo facto de o programa não ter, para mim, qualquer interesse: mistura tudo e todos, numa salada que dificilmente agradará a alguém, de forma integral e honesta.

Poderíamos dizer que é um apelo à diversidade e, nesse sentido, um elogio à própria música.

Porém, foi a própria intérprete a declarar ao canal de rádio Antena 2 que o programa tinha sido desenhado tendo em conta o seu vasto repertório, aliado ao facto de ser a sua primeira (e possivelmente única?) vinda a Portugal.

Confesso que tenho arrepios quando alguém se afirma bom a tudo. É uma ficção. E mesmo que o fosse, não seria necessariamente imperioso mostrar que se sabe tudo... no mesmo concerto. Um programa tem de ter pés e cabeça -- não exige meses de planeamento 'cerebral'...mas exige, pelo menos, algum equilíbrio, algum sentido.

Veja-se o programa da sua compatriota Angela Hewitt, na passada terça-feira: tanto Fauré como Bach e Mendelssohn, mas havia uma linha; a linha do piano clássico, a linha do barroco, a linha de Glenn Gould e a expertise de Hewitt.

Temo que o concerto a que não irei amanhã seja como o de Angela Gheorgiu, a que fui há uns meses, exactamente no mesmo local: uma salada indigesta, que no dia seguinte mereceu uma crítica feroz no jornal Público, onde os especialistas o consideraram lastimável. Desancaram a pobre Gheorgiu, a quem chamaram algo como uma senhora com pretensões a modelo, que deseja ser soprano...

Estas situações dispensavam-se, para manter a qualidade da casa [a FCG é a única instituição a dar cartas seguras na música dita clássica], dos programas, dos intérpretes...e dos pobres compositores. E já agora, do público.

É que todos estes elementos têm indiscutíveis qualidades. Não devíamos substituí-las com o resto.

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