02 setembro 2006

A Educação dos Meninos


Lorenzetti já por aqui comentou que há sua volta têm proliferado grávidas, casamentos e criancinhas.

Daí que tenha observado e reflectido um pouco sobre como aparecem as ditas crianças, como correm gravidezes e como depois são educadas as criancinhas.

Foi pois uma bela ocasião para rever um belíssimo companheiro de estante chamado Tratado da Educacao Physica ou, completo [e assim desenganado quem pensava que se tratava de literatura de ginásio], Tratado da Educaçaõ Fysica dos Meninos Para Uso da Naçaõ Portugueza, publicado por ordem da Academia das Sciencias por Francisco José de Almeida, Correspondente do Número da mesma Academia e da Sociedade Real de Medicina de Paris, e publicado em Lisboa em 1791.

Quanto à roupa, diz o autor [e adaptando à escrita actual], que: 'o verdadeiro meio de evitar as inclemências do tempo é agitar-se, e andar sempre exposto às alternativas da atmosfera: eu não quero dizer que os meninos não se cubram, mas que sejam leves as suas coberturas. As roupas de algodão, e linho, são bastantes para os defender do maior rigor do tempo. O modo de talhar seus vestidos não é também coisa indiferente. Um grande desejo de fazer passar crianças por homens é a paixão das mães, e este abuso, que na educação moral é tão repreendido, tem não sei quê de ridículo até no trajar externo. Além de que seguem-se graves danos às crianças por se vestirem de calções, véstias, casacas, sapatos, fivelas, e outros atavios, que o homem inventou para sua tortura, e acanhamento da sua espécie'.

E conclui esta parte com inúmeros exemplos de como as roupas 'da moda' perturbam a circulação do sangue e outros fluidos, relacionando tais fenómenos com doenças várias.

Trezentos anos depois, as coisas não evoluíram muito, e mesmo que os padrões e cores dos tecidos para roupas de criança sejam estupidificantes -- e nem todos têm gosto ou dinheiro para um bom corte de criança na Dior da Avenue Montaigne [foto] -- os 'papás' continuam a querer vestir as criancinhas como se fossem adultos, ainda que quando falem com elas façam uma vozinha ou entoação digna de atrasados mentais.

Conclui com chave de ouro o artigo sobre as 'paixões':

'Não posso deixar deste artigo sem lembrar que tenho por escusado, e bárbaro, todo o castigo nos primeiros anos [...] quando aliás nada se tira destes procedimentos duros, que afligem e intimidam as crianças.

Igualmente me causa aflição ver como o povo ignorante flagela os pobres inocentes que, quando submergidos no profundo sono da primeira idade, soltam sem se advertirem as suas urinas e deste modo os atormentam inutilmente ou conseguem perturbar o sono prezado, plácido e salutífero da infância, ou enfim obrigando-se a reter as águas ocasionando-lhes retenções de urinas e outras moléstias dos órgãos urinários.

Também me desagrada e tenho por inútil e mesmo por muito nocivo a uma criança consumi-la com estudos nada próprios de seus anos, e que além de lhes embaraçarem o exercício e agitação continuada e necessária para a corroboração de seus sólidos afrouxam a energia da sua imaginação, cansam os seus nervos e perturbam as suas digestões, e mirram a sua recente vetgetação. E qual é o adiantamento que se ganha destas aplicações intempestivas? Decorar as opiniões dos outros, falar muito e não saber nada'.

Brilhante. Ouviram meninas?

E como diz o autor, 'um ente sem paixões é um autómato estúpido e desprezível'.

Achtung baby!...