A Crise
Quando uma empresa ou uma pessoa qualquer [o 'particular'...] tem problemas financeiros, a primeira coisa que faz é, em regra, cortar nos custos.
O tema que tem alimentado o discurso político, eco´nómico e social em Portugal nos últimos anos [transbordanado para tudo o resto] tem sido o défice das contas públicas e o endividamento dos particulares.
Essencialmente, a ideia segundo a qual 'estamos todos', Portugueses, de corda à garganta.
Tanto se insiste no discurso das contas públicas que o Presidente da reública referiu [com reacções negativas de muitos economistas] que 'há vida para além do défice'.
E tanto se insiste neste discurso que andamos todos deprimidos: a depressão colectiva de uma país é, evidentemente, uma razão para o aprofundamento de uma crise económica: é o factor psicológico.
Mas a crise não é, de todo, e no essencial, psicológica. É real.
Interessa pois ver o que tem sido feito pelo cidadão comum para dar a volta.
E o cidadão comum não é o milionário que não sente a crise directamente na sua vida e contas bancárias [apenas através dos seus negócios], nem o miserável que sempre foi miserável ou que está um pouco mais miserável.
É a chamada classe média. A misteriosa classe média, à qual todas as pessoas dizem pertencer, mesmo que algumas aleguem dela fugir.
A classe média que tem TV Cabo, ADSL, que não bebe simples água [sobretudo da torneira, que horror!], mas sumos, 'colas', 'jolas' e afins; que tem um ou mais telemóveis [muitas vezes carotes, ai os 3G!] com contas mais ou menos altas, a que compra perfumes de marcas de Milão, Paris e Nova York, marcas das quais não tem [MESMO] dinheiro para comprar roupa [e que não sabendo, marcas que acabam por sustentar], a classe média que vai ao cinema e vê uma porcaria qualquer por mais de cinco euros, essa classe que tem carros, muitas vezes kitadíssimos, que também muitas vezes não anda de transportes públicos, a mesma que vai comprar imensos presentes no Natal e que invade a FNAC todo o ano para comprar CD's e DVD's e neo-romances 'da tanga'. A mesma que pede belos empréstimos não só para casa e carro mas para bens de consumo corrente, que vai passar a passagem de ano não sei aonde, que bebe imensos cafés e fuma imensos cigarros por dia, essa classe média que redecora a casa, mesmo que devagar, depois de ver revistas que comprou por 2, 3, 7 euros, e que acabarão ou não num consultório qualquer, gente cujos filhos gastam dezenas de euros por noite em copos e eventualmente uma ganzita. Essa classe média que gasta dinheiro com a Maria, a Máxima, jornais da treta e revistas com resumos de novelas, a mesma que compra doces, tremoços, cervejinhas, chocolates, coca cola, e tudo o que não vem na roda dos alimentos e que não é mais do que puro desperdício [ou prazer, mas ainda assim adicional].
Desperdício.
De dinheiro e de vidas.
Compramos o que quisermos, mas não podemos dizer que o dinheiro não existia. Chegou e foi.
E a crise? Será que chegou? MESMO ?
Foto: Cindy SHERMAN [1990] Untitled (Mrs. Claus)
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