09 março 2006



Nas nossas ruas, ao anoitecer, Há tal soturnidade, há tal melancolia, Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.
O céu parece baixo e de neblina,


[...]

E os edifícios, com as chaminés, e a turba

Toldam-se duma cor monótona e londrina.

Batem os carros de aluguer, ao fundo,

Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!

Ocorrem-me em revista, exposições, países:

Madrid, Paris, Berlim, Sampetersburgo, o mundo!

Semelham-se a gaiolas, com viveiros,

As edificações somente emadeiradas:

Como morcegos, ao cair das badaladas,

Saltam de viga em viga, os mestres carpinteiros.

Voltam os calafates, aos magotes,

De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos,

Embrenho-me a cismar, por boqueirões, por becos,

Ou erro pelos cais a que se atracam botes.

E evoco, então, as crónicas navais:

Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado

Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!

Singram soberbas naus que eu não verei jamais!

E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!

De um couraçado inglês vogam os escaleres;

E em terra num tinido de louças e talheres

Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda.

[...]


Cesário Verde [1880]Sentimento de um Ocidental [escrito aos 25 anos]


Foto:

70 Pine Street
New York

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