26 novembro 2004

Referendar a Europa, versão deluxe


Assisti ao petit-debat entre J. Pacheco Pereira e Vital Moreira, acerca da questão concreta a colocar aos Portugueses aquando do referendo, tão aguardado, sobre o Tratado Constitucional Europeu [ver abaixo].

Não irei lamentar a inexistência de referendo em 1986, mas fica a nota ;)

Hoje, a formulação de uma questão concreta dá azo às duas propostas, apresentadas abaixo. Vital Moreira opta por uma versão 'completa', P. Pereira por uma versão 'light'.

O primeiro por entender que não faz sentido uma questão genérica, sobre um projecto complexo, cujo resultado seria pois 'uma farsa', utilizando a fórmula que lhe tinha sido apontada por P. Pereira.

O segundo por entender que 'seria uma farsa' questionar os Portugueses sem ser de forma simples, pois só essa seria clara, evitando manipulações partidárias.

Ambos os bloggers primam pela cidadania exemplar, e creio que a solução é intermédia [e não o digo por qualquer ortodoxia das soluções intermédias, bem patente em vários dinossauros da política portuguesa...].

Intermédia no sentido de que seria de facto uma farsa uma pergunta generalista sobre um projecto tão tecnicamente pobre, que tanto recorreu a copy-paste de artigos dos Tratados como à inserção a 'martelo' da Carta dos Direitos Fundamentais, numa salada porventura mais confusa que o regime ainda em vigor. Isto sem prejuízo de a ideia da consolidação ser bastante positiva. Foi é executada de forma inadequada.

Por outro lado, uma pergunta que recorra aos conceitos invocados por V. Moreira -- juridicamente irrepreensíveis, mas socialmente desconhecidos -- também não é possível, sob pena de uma votação inconsciente... a não ser que o que se espere com o referendo seja chamar a atenção dos (poucos) votantes para a (sua própria) inconsciência.

A questão proposta por V. Moreira apenas faria sentido, pois, se os Portugueses conhecerem os conceitos operativos utilizados na questão, desde a subsidiariedade ao primado do direito comunitário.

Impõe-se um curso de Direito Comunitário I aos Portugueses. Já.

Em 1986 poderia até haver. Em 2004, com instituições e canais de televisão q.b., não há desculpas.

Do Abrupto:


'COMO, NÃO SE PODENDO FAZER UMA SIMPLES PERGUNTA QUE TODA A GENTE ENTENDE, SE FAZ UMA COMPLICADA QUE NINGUÉM ENTENDE

Uma das razões porque falta democraticidade ao processo europeu está claramente expressa nesta nota de Vital Moreira no Causa Nossa, respondendo a uma questão de um leitor, sobre que pergunta deve ser feita no referendo sobre a Constituição Europeia:



“No caso da Constituição europeia, o referendo não pode, portanto, versar sobre a aprovação/rejeição do Tratado em si mesmo (tal como não poderia incidir globalmente sobre um projecto de lei). Está excluída portanto uma pergunta deste tipo: «Concorda com a aprovação e ratificação do Tratado constitucional da UE por parte do nosso País?». Tem de ser uma pergunta (ou mais) sobre as principais inovações de fundo contidas no tratado, sobretudo as mais controversas, a começar pela própria ideia de uma Constituição Europeia. Sem prejuízo de melhor elaboração, poderia ser, por exemplo, algo como isto:
«Concorda com a aprovação de um tratado instituindo uma Constituição para a UE, incluindo nomeadamente uma carta de direitos fundamentais, a garantia do princípio da subsidiariedade, a primazia do direito comunitário, a criação de um presidente do Conselho Europeu, a regra das votações por maioria qualificada e a possibilidade de uma política externa e de defesa comum?»
O direito constitucional devia estar ao serviço das pessoas e da transparência da causa pública e do pleno exercício da soberania popular. Eu também defendo um regime parlamentar e entendo que nem tudo se pode referendar. Defendo o referendo sobre a Constituição Europeia, em grande parte porque será uma maneira de mitigar, (mitigar apenas), o prolongado défice de democraticidade que o processo europeu tem tido nos últimos anos, em Portugal e em toda a Europa. Tenho poucas ilusões sobre como vai ser feito, dado o falso “consenso” que vai do PS ao PP sobre a matéria. Mas um referendo que tivesse esta pergunta, ou uma sua variante, seria uma farsa.

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Veja-se um primeiro comentário de Vital Moreira na Causa Nossa, que transcrevo:

"Comentando este post, J. Pacheco Pereira afirma que «um referendo que tivesse esta pergunta, ou uma sua variante, seria uma farsa». Mas não explica porquê, nem por que é que um referendo sobre a Constituição em geral, abrangendo por atacado todo o seu longo e prolixo texto (centenas de artigos), já não seria uma farsa."

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A minha objecção: em ambos os casos o que se referenda é "todo o seu longo e prolixo texto (centenas de artigos)", ou com uma pergunta de forma simples e que permite a polarização (podemos discutir porque é que é necessária), ou com uma pergunta complicada que deixará as pessoas entregues aos conselhos partidários. As poucas pessoas'.