20 setembro 2006

Novos-qualquer coisa.


É extraordinário como é difícil trabalhar com 'novos-qualquercoisa'.

Aquelas personagens que têm 'a mania'.

Que têm complexos.

Ou porque eram paupérrimos e de repente conseguem comprar umas águas furtadas [às quais chamam penthouse] ou um chasso de 1980 [ao qual chamam carro antigo] ou em exemplos menos tragicómicos, mas bem reais.

Ou porque os pais eram lavradores ou garagistas ou lavavam escadas e eles, filhos, são os primeiros 'doutores' na família [porque doutor para eles é qualquer licenciado].

Ou outra coisa qualquer que lhes afecta o ego.

Isso dá cabo do ambiente de qualquer equipa que não seja inteiramente assim, seja numa escola, empresa, associação ou outra coisa qualquer.

E se for tudo assim andam à pancada para ver quem passa 'à frente'.

E se é alguém que por natureza está à fremnte fazem tudo para o atropelar. Mesmo que nem saibam estar à mesa.

É gente tosca, que julga que os livros de Paula Bobone e afins [ou simplesmente artigos de revistas Maria ou, noutros graus, Caras, Máxima e afins ou quem sabe a Vanity Fair e qualquer outra alegadamente mais 'sofisticada']lhes traz aquilo que a casa onde nasceram não lhes deu, e que acham mais que suficiente para viver em sociedade.

Por mais regras de aprendam não chegam lá.

Porque desde logo esses textos não ensinam, por exemplo, aquilo que evitaria o caso abaixo.

Gente que se recusa a ir a certos sítios porque pode ser visto [e isso ia 'cair mal'], ou a andar de transportes públicos, mesmo fora da hora de ponta e quando seriam uma óptima alternativa, como o metro. Ou que avalia um restaurante pelo preço ou design e nem liga à comida. Ou que compra coisas pela marca e não porque gosta ou não delas na sua essência. Etc, etc.

Imaginem que o Francisco vai sair da sua empresa. Está farto daquela gente, sente que por isso está a perder tempo, ganha pouco relativamente ao tempo que não consegue ter para o resto das coisas e pessoas da sua vida, e profissionalmente acabou o projecto que tinha naquele local.

Imaginem.

Apesar do clima pouco agradável da sua saída [alimentada pelo facto de alguns dos seus colegas e superiores não saberem a diferença entre relações pessoais duradouras e relações profissionais limitadas pelo tempo], a empresa do Francisco organiza um jantar.

Não sendo um bronco, o Francisco vai ao jantar, por mais penoso que isso lhe seja.

Imaginem.

Entretanto, fala com a sua antiga secretária na dita empresa, para saber se tem correio, chamadas ou e.mails e aproveita para dizer-lhe que espera vê-la no jantar.

A secretária, impecável como sempre, responde-lhe quanto ao correio e afins, e acrescenta que os 'administrativos' não foram convidados para o jantar.

Francisco fica aborrecido, mas logo vê o lado positivo da questão: aquele não era mesmo um bom sítio para continuar.

Uma equipa é uma equipa.

E se a secretária não faz parte da nossa equipa quem faz? Nem nós mesmos, porque não somos nada sem secretária.

Quem não dá valor à sua secretária só pode ser ignorante, incompetente e, sobretudo, novo-qualquercoisa e insensível.

Não se trata sequer de ser simpático ou antipático.

Trata-se, objectivamente, de convidar quem de direito profissional deve estar presente. Quem nos acompanhou durante um percurso, lado a lado.

E quem passa pela experiência sabe que a secretária é o elemento chave, que sabe de tudo e de quem depende tudo. Senão é uma mera assistente, totalmente fungível e sem qualquer importância.

Como 90% das pessoas que irão por 'convite' ao dito jantar, que não acompanhou Francisco no seu percurso.

O Francisco irá apanhar com colegas do mesmo 'nível' [não 'simples administrativos'...].

Colegas esses com os quais provavelmente nem trabalhou e que fazem parte de uma área completamente diferente.

São estes casos que nos fazem pensar na falta de inteligência, ética, sensibilidade e enorme problema de ego que afecta tanta gente, sobretudo numa sociedade pequena, inculta e pobre como em Portugal.

É por estas e por outras [e bastantes já faladas no Lorenzetti] que temos pena dos novos-qualquercoisa.

E sobretudo, que lamentamos que eles ocupem imensos lugares de responsabilidade no Estado e no sector privado. E que de facto haja outras pessoas a depender deles e a sofrer com os seus complexos de inferioridade social.

Lisboa continua infectada de pessoas vindas da aldeia e que não se conformam com o facto, pretendendo ser algo que não são.

Continuamos a viver mentalmente numa sociedade feudal, mesmo que o padrão de consumo desta gente seja sofisticado e cosmopolita.

Mas a cabeça continua a mesma, atrofiada por um ego implacável.

É por isso que o Francisco pensa em emigrar, como muitos outros, que fugiram de uma decadente feira de vaidades. Mesmo que se metam noutra, pelo menos é mais aberta e com mais hipóteses de uma 'vida normal'. É outra escala.

Imaginem.

E é por isso, estamos certos, que o Francisco vai estar todo o jantar a esperar que ele acabe e a pensar na sua secretária.

Que estará a jantar com o marido e o filho.

É que não tenham dúvidas.