29 fevereiro 2008

Um governo mal educado


A incompetência desculpa-se, com limites.

A falta de educação não. Sobretudo em coisas básicas, que nunca poderiam faltar aos governantes de um país.

O caso é ainda mais grave quando existem assessores de protocolo.

Simone de Oliveira deu uma entrevista esta semana à RTP1. Na mesma, denunciou um caso -- quantos mais existem -- de falta de educação atroz, que neste caso demonstra incompetência suprema.

O novo ministro da Cultura, que tendo em conta o ambiente político português, já nem sei como se chama, faltou ao espectáculo de celebração dos 50 anos da carreira de Simone de Oliveira.





Pior: estando presente o Presidente da República [Cavaco] e um anterior Presidente da República [Eanes] e suas mulheres;

Ainda Pior: tendo telefonado um assessor do ministro a dizer que não poderia ir ao espectáculo... mas no dia seguinte.

Não só não foi, como apenas disse que não iria... no dia seguinte ao espectáculo ter tido lugar.

Já tivemos um Secretário da Cultura que dizia gostar dos violinos de Chopin [Santana].

Agora temos um ministro que não sabe -- ou pelo menos não demonstra -- qualquer educação ou sequer capacidade de gestão de agenda de Estado.

É particularmente confrangedor ver cavalos lusitanos liderados por burros que não só não andam, como não aguentam o peso.

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28 fevereiro 2008


'The only men who, as I opine, ought to be allowed the use of Clubs, are married men without a profession. The continual presence of these in a house cannot be thought, even by the most loving of wives, desirable. Say the girls are beginning to practise their music, which in an honourable English family, ought to occupy every young gentlewoman three hours; it would be rather hard to call upon poor papa to sit in the drawing-room all that time, and listen to the interminable discords and shrieks which are elicited from the miserable piano during the above necessary operation. A man with a good ear, especially, would go mad, if compelled daily to submit to this horror'

[chap.xxxvii, 'Club Snobs']

William M. THACKERAY [1848] The Book of Snobs

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Hoje


'A simples verdade é que fui a Inglaterra espairecer' [p.v]

'Ha riqueza exuberante, e que tende a enriquecer cada vez mais os ricos, pondo-os frente a frente com plebes proletarias. É perigoso.'
[p.9]

'Só as grèves são meio efficaz: a acção do Parlamento é nulla e irrisoria' [p.13]

'Vê-se o esforço da gente rica, imaginando que com dinheiro se obtem tudo, e que, à custa de milhões, querem também ser artistas. Bem lhes basta o que são' [p.26]


'vão, cada qual atraz da sua chimera, e todos collectivamente, impelidos pela chimera colossal do made money. é decerto isso que os imbelicisa [...] como sombra de tanta grandeza, nunca em parte alguma vi brutalidade mais bruta, nem estupidez mais estupida'
[p.31]

'A máxima do time is money é um erro completo. Porque ninguem desperdiça mais o tempo por falta de methodo. Gastam-no inutilmente, nao na ociosidade, pois se agitam sem cessar; mas gastam-no sem saberem utilisal-o intelligentemente' [p.45]

'o segredo da fortuna colonial britannica está nos dotes (ou na ausenca de dotes) dos homens. Destituidos de idéas, systemas e preconceitos, [...] levados unica e energicamente pelo instincto de ganhar, moldam-se as circunstancias' [p.111]

'n'uma sociedade onde a ostentacao e o luxo acendem a cubiça dos que teem menos, a miseria e insupportavel' [p.131]

'o saber nao constitue um fim, é apenas o meio de ganhar dinheiro [...] é a bagagem com que partem, não é uma educação que levem' [p.133]

'esta poderosa sociedade capitalista tem os pés de barro, esta montanha colossal de riqueza assenta sobre contrafortes de miseria inconsistente e esboroadiça' [p.203]

OLIVEIRA MARTINS [1893] A Inglaterra de Hoje, Lisboa: A.M. Pereira

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27 fevereiro 2008

[clique para aumentar]

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26 fevereiro 2008

Churchill


Dificilmente seríamos amigos políticos, mas na parte social não teríamos problemas. Sobretudo no formato do tabaco.

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25 fevereiro 2008

A espera e o barrote


Um jornalista ou comentador desportivo chamado Rui Santos foi aguardado por 4 indivíduos, 3 dos quais terão tentado agredi-lo com uma barra de ferro quando este se encontrava junto ao seu carro no parque de estacionamento da SIC.

Não percebo nada de futebol e não fço ideia quem é este senhor, mas seja quem for não é aceitável que numa democracia se façam esperas e que haja espancamentos.

Isto reforça a tese do défice democrático em Portugal -- que não se faz apenas por decreto nem Constituição -- e também da chamada crise civil iminente.

Há quem se mova em Portugal como se de uma quinta de tratasse, e como de um caseiro se tratasse. E não é necessariamente people in high places: basta ser um qualquer gang do submundo. Uma espécie de Moe armado 8não o do bar do Homer, mas o da escola do Calvin). E Portugal está cheio deles.

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24 fevereiro 2008

Larry Clark ou o culto da banalidade adolescente.


o fotógrafo venerado por uns e acusado de pedófilo (ou explorador) por outros está de volta e abriu uma nova exposição em Londres, a cidade cujo Metro proibiu cartazes com uma Vénus de Cranach o Velho.

A ver até 14 de Março na Simon Lee, em 12 Berkeley St..

Desta feita o modelo é um só: Jonathan Velazquez (14 anos), que Clark referiu -- em entrevista ao Art Newspaper -- como um jovem irresistível.

A mim parece simplesmente mais um chav, um delinquente, entre muitos que nascem e morrem todos os dias no mundo inteiro.

Mas é só uma opinião.

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23 fevereiro 2008

22 fevereiro 2008

Lux

- depois de um jantar cedo, chegar cedo para evitar filas e sair cedo para aproveitar o dia seguinte;

- chegada ao Lux às 00.33;

- entrada sem clientes, bloqueada por dois (in)seguranças de ar sinistro, mais tarde acompanhados por uma loira também à porta do Lux mas claramente com ideia de estar em StTropez ou de ser minimamente interessante: dizem para esperar até à meia noite (sim, chegámos às 00.03);

- o mesmo acontece a outros clientes prospectivos... com o Lux vazio no interior, vai-se formando uma (pseudo) fila no exterior até às 00.15 ou 00.20.

Entramos pelas 00.30, ou melhor passamos por um detector de metais que não funciona e uma (in)segurança de meio metro e certo bigode, provavelmente ex-circo Chen;

- etc etc etc

Sair em Lisboa é, essencialmente, entrar num freak show pagando preço de ópera e sem direito a lugar sentado nem música dançável, nem caras giras, e um aroma a tabaco manhoso e papel queimado.

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Referendo ao Tratado (Constituição) Europeu


É interessante como um 'jornal' tão mau faz um anúncio tão útil.

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21 fevereiro 2008

O Fim do Conservatório?!


Escola de Música
Conservatório Nacional


Porque Não Podemos Concordar Com a Ministra da Educação
Por Uma Escola Pública de Qualidade

-Extinção do ensino musical especializado no 1º ciclo

Por decisão ministerial as escolas públicas de música (vulgo Conservatórios) vão ser impedidas de dar aulas ao 1º ciclo (chamados cursos de iniciação). Assim, os actuais e futuros alunos (dos 6 aos 9 anos de idade), se quiserem continuar a estudar música, terão de frequentar aquilo que o estado passa a oferecer gratuitamente, as actividades de enriquecimento curricular (AEC), o que representa passar de um currículo de 6 horas semanais com estudo individual de instrumento, orquestra, formação musical, coro e expressão dramática, para uma actividade de currículo ainda desconhecido, provavelmente com a duração de apenas duas horas semanais.

Se por acaso o aluno quiser continuar com a mesma formação que as actuais iniciações oferecem, terá de se inscrever numa escola particular, deixando de pagar a propina anual da escola pública (em Lisboa é de 45€) para passar a desembolsar grandes quantias em dinheiro.

Ao tomar esta atitude de alargamento da oferta de ensino musical através das AECs, e de inviabilizar o ensino do 1º ciclo (iniciações) nos Conservatórios, o Ministério impede o ensino especializado de oferecer um ensino de qualidade que visa o desenvolvimento da criança na idade ideal para o início da formação como instrumentista. (Suzuki, Gordon, Manturzewska, Lhemann, Schuter-Dyson, Sosniak, Bloom).

A razão pela qual se extingue o 1º ciclo das escolas públicas de ensino especializado de música não tem como finalidade uma verdadeira democratização do ensino musical, assumindo declaradamente uma componente apenas de formação genérica, visando competências diferentes das que actualmente os Conservatórios oferecem para estas cargas etárias. A verdadeira razão encontra-se sim na necessidade de libertar os docentes que actualmente leccionam as iniciações, procedendo ao seu despedimento e posterior reconversão para leccionarem as AECs, pelas quais serão remunerados abaixo do seu actual estatuto, pois o Ministério sabe que nem a médio prazo terá docentes em número suficiente para a tal generalização do ensino da música ao 1º ciclo.

Trata-se pois apenas de uma operação de engenharia financeira sem ter em conta a degradação de qualidade que este novo sistema irá introduzir no ensino da música. Este novo sistema irá produzir indubitavelmente efeitos perversos e anti-democráticos pois terão naturalmente preferência na admissão às escolas públicas (a partir do 2º ciclo) aqueles candidatos que demonstrem maiores competências, competências essas que passarão a ser exclusivo do ensino particular a preços elevados. Haverá um favorecimento daqueles que têm maior capacidade económica para proporcionarem essa formação aos seus filhos em detrimento da criança de meios sócio - económicos mais desfavorecidos.
Não se deve, com o pretexto da criação de um ensino generalizado da música, extinguir o ensino vocacional (especializado).

-Regime de Frequência Supletivo
Sua Extinção

Com a intenção de reduzir a frequência destas escolas apenas ao regime integrado, será negada a existência tanto do regime supletivo como do articulado.
O regime articulado permite às famílias organizar a formação dos seus educandos através de uma articulação de tempos lectivos e de escolas, nomeadamente permitindo a escolha da escola básica e a gestão do seu currículo.
Simultaneamente, o regime supletivo permite às famílias escolherem as escolas e sobretudo ao aluno não ter que ficar agarrado apenas à opção música, realizando dois percursos paralelos até que a sua decisão de formação esteja definida.

Com especial furor ataca o Ministério da Educação o regime de frequência supletivo. Este regime de frequência caracteriza-se por permitir ao aluno frequentar as disciplinas musicais no Conservatório e as do ensino geral na escola de sua escolha. Afirma o Ministério que este regime de frequência se caracteriza por ser um ensino avulso no qual o estudante poderá ele próprio compor o seu currículo, sem obrigação de nenhum tipo de regras de precedências, podendo eternizar a sua presença na escola. Mais afirma o Ministério que o regime supletivo não permite uma certificação no final do ensino secundário visto o aluno poder optar por um diploma de ensino secundário de outra vertente, naquela em que frequenta as disciplinas não musicais. Não havendo certificação, não há sucesso escolar, conclui sem mais nem menos o Ministério. Para a 5 de Outubro os Conservatórios não formam alunos.

Vejamos o que realmente caracteriza este regime de frequência, aquele que é escolhido pela grande maioria dos alunos e encarregados de educação:

1º - Os alunos do regime supletivo são obrigados até ao final do 3º ciclo a frequentarem exactamente o mesmo nº de disciplinas que os alunos dos outros regimes, a saber: integrado e articulado. Obedecem às mesmas regras de precedência e de estudos.

2º - Durante o ensino secundário nesta escola, são obrigados a frequentar anualmente pelo menos três disciplinas, a saber, instrumento, formação musical e classe de conjunto. Também aqui o aluno não pode frequentar apenas uma só disciplina.

3º - O aluno do regime supletivo raramente obtém um diploma secundário de música pois já o obteve ou vai obter na via e curso que frequentou na outra escola secundária onde realizou a formação não musical.

4º - Não. O facto de se emitirem poucos diplomas secundários de ensino da música não é sinónimo de insucesso escolar, pois não exigindo o ensino superior da especialidade nenhuma classificação específica do ensino secundário de música, o aluno prefere fazer uma preparação paralela num curso científico-humanístico e logo que se sente preparado concorre para o ensino superior de música ou sai para a vida profissional. Será necessário deixar aqui claro que para se exercer uma profissão no campo da música, os diplomas não são necessários pois as pessoas têm que passar uma audição pratica para obterem o lugar. A única ocasião de que precisam de um diploma é para seguirem a carreira de ensino e para esta necessitam sim do diploma mais qualificado que é o do ensino superior e não o secundário.

5º - Provando que a não obtenção de diploma secundário de música não é sinónimo de insucesso escolar poderemos verificar que só na Escola de Música do Conservatório Nacional nos últimos seis anos 125 alunos seguiram os seus estudos superiores e cerca de 183 alunos foram para a vida profissional, ou seja a Escola foi o veículo escolhido pelos alunos para lhes dar a formação necessária para seguirem carreira. O Ministério deveria encontrar uma solução para este problema da certificação e não limitar-se pura e simplesmente a acabar com o regime de frequência supletivo.


6º - A verdadeira razão porque se acaba com o ensino supletivo e se recomenda que nas escolas públicas apenas se pratique o regime integrado está agora à vista, quando sabemos que o interesse fulcral da Ministra da Educação é a extensão das AECs vertente música, a todas as escolas do 1º ciclo. Para isso necessita de docentes. A Srª Ministra sabe que só assim obterá escolas muito mais pequenas implicando o despedimento de professores a nível dos 2º , 3º ciclos e secundário. Estes docentes servirão naturalmente para ministrarem as AECs.

7º - É fundamental que os Pais e Encarregados de educação percebam que a coberto de uma pseudo “democratização” do ensino da música se vai na realidade reduzir a prática musical apenas às AECs, e sobrecarregar as finanças familiares se se optar por prosseguir com uma formação específica agora apenas numa escola privada. De notar igualmente que com a extinção do regime supletivo se está a obrigar muito mais cedo o encarregado de educação a tomar a opção de uma carreira para o seu filho, visto só ser possível o ensino integrado nas escolas públicas, o que é obviamente difícil e claramente indesejável.

8º - É ainda preciso considerar o curso de canto, frequentado totalmente em ensino supletivo por alunos maiores de 17 anos, de acordo com as regras até hoje em vigor e definidas em Regulamento Interno, cuja viabilidade continua por discutir.

Pelo que foi dito nos números anteriores, poderemos afirmar que o regime de frequência supletivo é credível e formador de músicos em igualdade de circunstâncias com qualquer outro regime de frequência, e que a sua diabolização pelo Ministério obedece apenas a interesses de ordem financeira e não pedagógica.
Estamos ainda a cercear o direito de escolha dos encarregados de educação.

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20 fevereiro 2008

Sobre a Crise Portuguesa

SEDES
TOMADA DE POSIÇÃO - FEVEREIRO 2008


1) UM DIFUSO MAL ESTAR
Sente-se hoje na sociedade portuguesa um mal estar difuso, que alastra e mina a confiança essencial à coesão nacional.

Nem todas as causas desse sentimento são exclusivamente portuguesas, na medida em que reflectem tendências culturais do espaço civilizacional em que nos inserimos. Mas uma boa parte são questões internas à nossa sociedade e às nossas circunstâncias. Não podemos, por isso, ceder à resignação sem recusarmos a liberdade com que assumimos a responsabilidade pelo nosso destino.

Assumindo o dever cívico decorrente de uma ética da responsabilidade, a SEDES entende ser oportuno chamar a atenção para os sinais de degradação da qualidade da vida cívica que, não constituindo um fenómeno inteiramente novo, estão por detrás do referido mal estar.


2) DEGRADAÇÃO DA CONFIANÇA NO SISTEMA POLÍTICO

Ao nível político, tem-se acentuado a degradação da confiança dos cidadãos nos representantes partidários, praticamente generalizada a todo o espectro político.

É uma situação preocupante para quem acredita que a democracia representativa é o regime que melhor assegura o bem comum de sociedades desenvolvidas. O seu eventual fracasso, com o estreitamento do papel da mediação partidária, criará um vácuo propício ao acirrar das emoções mais primárias em detrimento da razão e à consequente emergência de derivas populistas, caciquistas, personalistas, etc.

Importa, por isso, perseverar na defesa da democracia representativa e das suas instituições. E desde logo, dos partidos políticos, pilares do eficaz funcionamento de uma democracia representativa. Mas há três condições para que estes possam cumprir adequadamente o seu papel.

Têm, por um lado, de ser capazes de mobilizar os talentos da sociedade para uma elite de serviço; por outro lado, a sua presença não pode ser dominadora a ponto de asfixiar a sociedade e o Estado, coarctando a necessária e vivificante diversidade e o dinamismo criativo; finalmente, não devem ser um objectivo em si mesmos...

É por isso preocupante ver o afunilamento da qualidade dos partidos, seja pela dificuldade em atrair e reter os cidadãos mais qualificados, seja por critérios de selecção, cada vez mais favoráveis à gestão de interesses do que à promoção da qualidade cívica. E é também preocupante assistir à tentacular expansão da influência partidária – quer na ocupação do Estado, quer na articulação com interesses da economia privada – muito para além do que deve ser o seu espaço natural.

Estas tendências são factores de empobrecimento do regime político e da qualidade da vida cívica. O que, em última instância, não deixará de se reflectir na qualidade de vida dos portugueses.


3) VALORES, JUSTIÇA E COMUNICAÇÃO SOCIAL

Outro factor de degradação da qualidade da vida política é o resultado da combinação de alguma comunicação social sensacionalista com uma justiça ineficaz. E a sensação de que a justiça também funciona por vezes subordinada a agendas políticas.

Com ou sem intencionalidade, essa combinação alimenta um estado de suspeição generalizada sobre a classe política, sem contudo conduzir a quaisquer condenações relevantes. É o pior dos mundos: sendo fácil e impune lançar suspeitas infundadas, muitas pessoas sérias e competentes afastam-se da política, empobrecendo-a; a banalização da suspeita e a incapacidade de condenar os culpados (e ilibar inocentes) favorece os mal-intencionados, diluídos na confusão. Resulta a desacreditação do sistema político e a adversa e perversa selecção dos seus agentes.

Nalguma comunicação social prolifera um jornalismo de insinuação, onde prima o sensacionalismo. Misturando-se verdades e suspeitas, coisas importantes e minudências, destroem-se impunemente reputações laboriosamente construídas, ao mesmo tempo que, banalizando o mal, se favorecem as pessoas sem escrúpulos.

Por seu lado, o Estado tem uma presença asfixiante sobre toda a sociedade, a ponto de não ser exagero considerar que é cada vez mais estreito o espaço deixado verdadeiramente livre para a iniciativa privada. Além disso, demite-se muitas vezes do seu dever de isenta regulação, para desenvolver duvidosas articulações com interesses privados, que deixam em muitos um perigoso rasto de desconfiança.

Num ambiente de relativismo moral, é frequentemente promovida a confusão entre o que a lei não proíbe explicitamente e o que é eticamente aceitável, tentando tornar a lei no único regulador aceitável dos comportamentos sociais. Esquece-se, deliberadamente, que uma tal acepção enredaria a sociedade numa burocratizante teia legislativa e num palco de permanente litigância judicial, que acabaria por coarctar seriamente a sua funcionalidade. Não será, pois, por acaso que é precisamente na penumbra do que a lei não prevê explicitamente que proliferam comportamentos contrários ao interesse da sociedade e ao bem comum. E que é justamente nessa penumbra sem valores que medra a corrupção, um cancro que corrói a sociedade e que a justiça não alcança.


4) CRIMINALIDADE, INSEGURANÇA E EXAGEROS

A criminalidade violenta progride e cresce o sentimento de insegurança entre os cidadãos. Se é certo que Portugal ainda é um país relativamente seguro, apesar da facilidade de circulação no espaço europeu facilitar a importação da criminalidade organizada. Mas a crescente ousadia dos criminosos transmite o sentimento de que a impune experimentação vai consolidando saber e experiência na escala da violência.

Ora, para além de alguns fogachos mediáticos, não se vê uma acção consistente, da prevenção, da investigação e da justiça, para transmitir a desejada tranquilidade.

Mas enquanto subsiste uma cultura predominantemente laxista no cumprimento da lei, em áreas menos relevantes para as necessidades do bom funcionamento da sociedade emerge, por vezes, uma espécie de fundamentalismo utra-zeloso, sem sentido de proporcionalidade ou bom-senso.

Para se ter uma noção objectiva da desproporção entre os riscos que a sociedade enfrenta e o empenho do Estado para os enfrentar, calculem-se as vítimas da última década originadas por problemas relacionados com bolas de Berlim, colheres de pau, ou similares e os decorrentes da criminalidade violenta ou da circulação rodoviária e confronte-se com o zelo que o Estado visivelmente lhes dedicou.

E nesta matéria a responsabilidade pelo desproporcionado zelo utilizado recai, antes de mais, nos legisladores portugueses que transcrevem para o direito português, mecânica e por vezes levianamente, as directivas de Bruxelas.


5) APELO DA SEDES

O mal-estar e a degradação da confiança, a espiral descendente em que o regime parece ter mergulhado, têm como consequência inevitável o seu bloqueamento. E se essa espiral descendente continuar, emergirá, mais cedo ou mais tarde, uma crise social de contornos difíceis de prever.

A sociedade civil pode e deve participar no desbloqueamento da eficácia do regime – para o que será necessário que este se lhe abra mais do que tem feito até aqui –, mas ele só pode partir dos seus dois pólos de poder: os partidos, com a sua emanação fundamental que é o Parlamento, e o Presidente da República.

As últimas eleições para a Câmara de Lisboa mostraram a existência de uma significativa dissociação entre os eleitores e os partidos. E uma sondagem recente deu conta de que os políticos – grupo a que se associa quase por metonímia “os partidos” – são a classe em que os portugueses menos confiam.

Este estado de coisas deve preocupar todos aqueles que se empenham verdadeiramente na coisa pública e que não podem continuar indiferentes perante a crescente dissociação entre o conceito de “res pública” e o de intervenção política!

A regeneração é necessária e tem de começar nos próprios partidos políticos, fulcro de um regime democrático representativo. Abrir-se à sociedade, promover princípios éticos de decência na vida política e na sociedade em geral, desenvolver processos de selecção que permitam atrair competências e afastar oportunismos, são parte essencial da necessária regeneração.

Os partidos estão na base da formação das políticas públicas que determinam a organização da sociedade portuguesa. Na Assembleia ou no Governo exercem um mandato ratificado pelos cidadãos, e têm a obrigação de prestar contas de forma permanente sobre o modo como o exercem.

Em geral o Estado, a esfera formal onde se forma a decisão e se gerem os negócios do país, tem de abrir urgentemente canais para escutar a sociedade civil e os cidadãos em geral. Deve fazê-lo de forma clara, transparente e, sobretudo, escrutinável. Os portugueses têm de poder entender as razões que presidem à formação das políticas públicas que lhes dizem respeito.

A SEDES está naturalmente disponível para alimentar esses canais e frequentar as esferas de reflexão e diálogo que forem efectiva e produtivamente activadas.


Sedes, 21 de Fevereiro de 2008

O Conselho Coordenador
(Vitor Bento (Presidente), M. Alves Monteiro, Luís Barata, L. Campos e Cunha, J. Ferreira do Amaral, Henrique Neto, F. Ribeiro Mendes, Paulo Sande, Amílcar Theias)

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