28 abril 2006

Casinos


'A lei é incongruente: proíbe o acesso, mas não diz como controlar o acesso'

Esta frase é atribuída ao Inspector Geral de Jogos na primeira página do Expresso de 22.4.2oo6.

No entanto, a Lei do Jogo diz que 'O acesso às salas de jogos tradicionais e às salas a que se refere a alínea b) do nº 2 do artigo 32º (salas mistas) é sujeito à obtenção de cartão ou documento equivalente, devendo as concessionárias cobrar um preço pela emissão daquele cartão, cujo valor, único para cada tipo de cartão, deve ser comunicado à Inspecção-Geral de Jogos com 8 dias de antecedência'.

Lorenzetti começa a pensar se estará bom da cabeça. Mas o Inspector Geral não tinha dito que a Lei não previa nada?

A Lei do Jogo detalha:


'As operações de emissão, autenticação, controlo e obliteração dos cartões referidos no nº 1 e o seu processamento deverão ser feitos por processos automáticos. Quando a instalação, manutenção e programação do equipamento necessário às operações referidas no número anterior não sejam contratualmente exigíveis às concessionárias, poderão as despesas ser suportadas pelo orçamento da Inspecção-Geral de Jogos. Os frequentadores das salas a que se refere o nº 1 conservarão em seu poder, enquanto nelas se encontrarem, o cartão ou documento que exibiram para o acesso. No acto de emissão do cartão, e integrando o preço deste, as empresas concessionárias cobrarão o imposto do selo devido e elaborarão o respectivo registo, que será conferido no dia seguinte pelo serviço de inspecção. O imposto do selo cobrado em cada mês será entregue pelas concessionárias na tesouraria da Fazenda Pública competente até ao dia 15 do mês seguinte ao da cobrança, mediante guia, em triplicado, processada pela Inspecção-Geral de Jogos, à qual será remetido o triplicado, depois de averbado o pagamento, nos 3 dias posteriores a esse pagamento (artigo 35)'.Lorenzetti continua as suas leituras.

Até há um artigo sobre 'restrições de acesso', que diz que 'O acesso às salas de jogos de fortuna ou azar é reservado, devendo o director do serviço de jogos ou a Inspecção-Geral de Jogos recusar a emissão de cartões de entrada ou o acesso aos indivíduos cuja presença nessas salas considerem inconveniente, designadamente nos casos do nº 2 do artigo 29º. Independentemente do disposto no número anterior, é vedada a entrada nas salas de jogos designadamente aos indivíduos: Menores de 18 anos; Incapazes, inabilitados e culpados de falência fraudulenta, desde que não tenham sido reabilitados; Membros das forças armadas e das corporações paramilitares, de qualquer nacionalidade, quando se apresentem fardados; Empregados das concessionárias que prestam serviço em salas de jogos, quando não em serviço;
Portadores de armas, engenhos ou matérias explosivas, e de quaisquer aparelhos de registo e transmissão de dados, de imagem ou de som'.


Todo um mistério, quem sabe maior do que o resultado da roleta.

Lorenzetti está aberto a esclarecimentos... afinal o controlo não é a emissão de cartão? Até porque convém identificar os jogadores, sobretudo para notificar as autoridades competentes em matéria de branqueamento de capitais...

Ou não?


Recomendações:

Martin SCORSESE [1995] Casino [filme]

Paul DE KETCHIVA [1935] Confessions of a Croupier - The Inside Story of the Gambling Game from the Authoritative Angle of the 'Bank' Revealed for the First Time Hurst&Blackett, Ltd. [livro]

Richard KWIETNIOWSKI [2oo3] Owning Mahowny [filme]

26 abril 2006

Javardolas II


Pois é.

Lorenzetti
lá recebeu os mails típicos de quem foi lido por alguém que se sentiu tocado.

O mais interessante é a 'javardice' [poderei dizê-lo?] dos erros ortográficos nesses e.mails. É que não há um que se safe.

E portanto Lorenzetti tomará isso como um dado que dispensa mais comentários.

Lorenzetti aproveita porém a oportunidade para recordar um fantástico texto de 'RAP', um dos Gatos, na revista Visão.

Nesse artigo, RAP -- que admito ter causado fúrias bem mais javardolas que as dos e.mails recebidos por Lorenzetti -- discorre quanto à incontestável [mas nada falada] questão de os mais 'anti-gays' serem, eles próprios, os maiores suspeitos.

E fala das actividades mais típicas dos homens 'ocidentais', como jogar à bola com outros 10 tipos [fora os da outra equipa] todos suados, abraçá-los de forma pouco ortodoxa quando marcam golo, e ir para o balneário e tomar duche com eles.

E por aí em diante.

Admito que aí os risos dos leitores não tenham sido tantos como ao ver as séries. Mas, há que dizê-lo 'com frontalidade': o artigo despertou consciências [ou desinteresse].

A lógica é a mesma do Javardolas menos quando fala Francês. A diferença está na forma de passar a ideia: no artigo, RAP coloca-a de forma crua. No sketch do Javardola, aplica-se o tal princípio dos espectadores: gozo com o Javardola, porque [valha-me nossa Senhora] não sou eu.

Não?

25 abril 2006

Javardolas I


Contra todas as suas expectativas, os poucos 'episódios' da nova 'série' do Gato Fedorento, na RTP, que Lorenzetti já viu ['visionou', como dizem certas personagens], são muito melhores que os anteriores. Digamos que a vaca [o Gato?] não morreu tão cedo como se esperava.

Um deles foi O Indivíduo que é Javardolas menos quando fala Francês.

É delicioso.

Porém, há um aspecto que não podemos ignorar. O Javardolas, tal como é apresentado [com todo o visual, tiques e linguagem da ideia mais extrema de Javardus] é um Javardus Vulgaris. Ou mesmo que seja um Javardus Extremis, não impede, por isso mesmo, a proliferação de pequenos Javardolas, Javardolas mais low-key, que chamamos Javardus Vulgaris.

Muitos deles são os que vêm o Gato Fedorento.

A piada é, precisamente, essa.

É não é preciso ser muito imaginativo para gozar com um Javardo, basta olhar para ele. O Gato Fedorento mostra-o sempre e goza com o país de forma imediata. Uma fórmula do tipo:

Realidade + Gatos = Programa TV = Riso dos actores da realidade e espectadores do programa


Não conhecendo os Gatos, Lorenzetti não pode dizer que haja ou não haja entre eles algum Javardus Vulgaris ou Extremis. Espero que não, mas isso não prejudica a qualidade dos programas.

Lorenzetti tem porém a certeza de o público dos Gatos [Portugal inteiro, pelo menos para já...]ser em grande parte, Javardola. Basta ver a forma como os homens, em geral e por exemplo, se referem ao sexo oposto.

Isto de sermos Javardolas por si não é grande conclusão, pode até ser uma evidência.

O que é menos evidente é que o Javardus Vulgaris goza com o Javardus Extremis [aquele da série] precisamente porque está lá perto, saiba ou não disso. More em Ranholas, Rua do Sacramento à Lapa, Moimenta da Beira ou na Avenida do Restelo.

É aquela velha história: a melhor defesa é o ataque -- 'goza com o Javardolas para não seres confundido com um'.

E é o velho problema do Ego, que Lorenzetti tem teclado tantas vezes.

O problema é que aqui já não há defesa possível.

Uma vez Javardolas...

18 abril 2006

Música, Igrejas e Elites


Entre outras coisas, diz Miguel no Blog do Piano que 'O que antes se limitava ao órgão fora substituído pela guitarra, bateria, baixo e piano. Tenros néscios. Aos poucos, os arquétipos estéticos e musicais alteraram-se e comecei a deixar o entusiasmo adormecer. Soltou-se uma toada funk e as congestões foram imediatas. A aconchegar o sono descontrolado estão as recomendações que os dirigentes dos coros debitam com devoção e credulidade. Nunca o apelo à sinceridade se tornou tão chato, tão irritante, tão intrusivo (um dia explanarei este tema). Ir à igreja possibilita a inquietação mas não aquela - a minha - inquietação. Tenho saudades do dirigente que apenas introduzia canções. Saudades do peso congregacional dos hinos. Saudades do uníssono brutal. Saudades do órgão. Acredito no órgão.'
Estas observações fizeram-me recordar uma recente e acesa discussão com um amigo meu, com a presença de um terceiro algo embasbacado.

Esse meu amigo é um católico fervoroso [adoro ter a ocasião de usar estas expressões].

É fervoroso também na música [aí já temos mais em comum].

No entanto não é um sujeito convencional.

Tem aquelas deliciosas contradições humanas, que nos tornam dignos de interesse. Gosta, por exemplo, dos poemas cantados de Manuel Alegre, apesar de ser, politicamente, de direita bem vincada.

E foi com ele que comprei discos dos Garbage, numa altura em que era mais dado ao jazz e à 'clássica'. Entretanto enveredei pela electrónica...

Ele [chamemos-lhe Wally] ficou escandalizado quando percebeu que me desagrada bastante ter-se esquecido a música clássica nas igrejas portuguesas, o local por excelência para ouvir Bach, Carlos Seixas, Charpentier, Morales, Häendel, Monteverdi, entre tantos, tantos clássicos.

Não digo -- nunca disse e espero não ser louco para pensá-lo -- que só de deve interpretar temas clássicos de forma clássica.

O que digo é que esses também existem. Não é só a guitarra e os coros juvenis da paróquia, por muito que isso seja importante para os próprios.

E há que equilibrar a balança.

Wally chamou-me elitista. Discordei.

Porque não fui eu que tirei essa música das igrejas e a pus em salas de concerto caras.

Foi a igreja. Foram pessoas como o Wally, que dirigem grupos corais de paróquias por este país fora.

Esqueceram séculos e séculos de música quase perfeita a favor de guitarradas que têm o seu lugar, mas não deviam ocupar todo o espaço.

Muito gostaria de ouvir novamente os clássicos nas igrejas.

Não vejo nisso elitismo. Pelo contrário, é democratização, aumento do acesso à música que alguns, estupidamente, chamaram 'erudita'.

Alguns que a tiraram do seu local natural, as igrejas.

Esses sim, são elitistas. E pior, ignorantes obscurantistas.

Wally, não te confundas com eles. Afinal, és meu amigo. E não foi por acaso que te tornaste um.

16 abril 2006

Sentença e agressões aos filhos


Como sempre, deixámos passar uns dias para a coisa acalmar. Vamos então pensar.

O Supremo Tribunal de Justiça [STJ], tradicionalmente considerado o tribunal mais importante em Portugal [ainda que Lorenzetti seja mais 'amigo' do Tribunal Constitucional, mesmo que mais politizado] tomou uma decisão que tem sido muito discutida nos jornais e nas ruas.

Isso é desde logo bom: quer dizer que as pessoas estão atentas ao que se passa nos tribunais e que não discutem apenas o que se passará no próximo episódio da novela ou da série que costumam ver.

Por outro lado, é mau: neste caso a discussão nasceu no facto de estar-se perante uma decisão que terá feito algo horripilante: legitimar a violência sobre as crianças. Será assim? É provável. Vamos ver.

Lorenzetti leu a decisão. É importante dizer isto. E apresenta alguns extractos, doravante designados como 'pérolas':

'A expressão " maus tratos ", curiosamente, assumiu na nossa língua uma conceptualização própria, sendo extremamente rara a sua utilização no singular'

'Este poder-dever de correcção levanta, todavia, problemas delicadíssimos de fronteira. Há que saber até onde pode ir considerando, consequentemente, insusceptível de preenchimento de qualquer ilícito criminal o que fica aquém. Sempre com a consciencialização de que estamos numa relação extremamente vulnerável e perigosa quanto a abusos. Mais intensamente ainda no nosso caso por se tratar de menores internados em instituição e com deficiências psíquicas'

'Qual é o bom pai de família que, por uma ou duas vezes, não dá palmadas no rabo dum filho que se recusa ir para a escola, que não dá uma bofetada a um filho que lhe atira com uma faca ou que não manda um filho de castigo para o quarto quando ele não quer comer?

Quanto às duas primeiras, pode-se mesmo dizer que a abstenção do educador constituiria, ela sim, um negligenciar educativo.

Muitos menores recusam alguma vez a escola e esta tem - pela sua primacial importância - que ser imposta com alguma veemência.

Claro que, se se tratar de fobia escolar reiterada, será aconselhável indagar os motivos e até o aconselhamento por profissionais.

Mas, perante uma ou duas recusas, umas palmadas (sempre moderadas) no rabo fazem parte da educação.

Do mesmo modo, o arremessar duma faca para mais a quem o educa, justifica, numa educação sã, o realçar perante o menor do mal que foi feito e das suas possíveis consequências. Uma bofetada a quente não se pode considerar excessiva.

Quanto à imposição de ida para o quarto por o EE não querer comer a salada, pode-se considerar alguma discutibilidade.

As crianças geralmente não gostam de salada e não havia aqui que marcar perante elas a diferença.

Ainda assim, entendemos que a reacção da arguida também não foi duma severidade inaceitável.

No fundo, tratou-se dum vulgar caso de relacionamento entre criança e educador, duma situação que acontece, com vulgaridade, na melhor das famílias.


Este recurso improcede.'

'Resta o problema do dolo. Mas, verdadeiramente, não chega a ser problema.
[...]
Quis ela evitar a hiperactividade do BB e por isso fechou-o na dispensa às escuras chegando a ficar ali fechado cerca de uma hora.

Quis o descanso matinal seu e dos restantes utentes do lar e amarrou o menor nos termos supra descritos.

Agiu com objectivo lícito, mas não podia deixar de saber que assim violentava, como violentou, a criança, infringindo-lhe um tratamento cruel, tanto mais que sabia ser pessoa doente, cujos problemas tinham que ser resolvidos antes de acordo com o aconselhado por médico-psiquiatra.

E, quanto às bofetadas, temos o dolo directo, pois não se provou qualquer outro objectivo relativamente ao qual a agressão funcionasse apenas com meio para atingir outros objectivos que não fossem o infligir sofrimento.

Não tem razão, pois, a recorrente.

XVI - Nestes termos, nega-se provimento a ambos os recursos, confirmando-se a decisão recorrida.

O do M.P. fica isento de tributação.
Quanto ao outro, pagará ela as custas com 4 UCs de taxa de justiça.

Lisboa, 5 de Abril de 2006
João Bernardo
Pires Salpico
Henriques Gaspar
Políbio Flor'


E assim acontece.

O problema desta decisão nem é, para Lorenzetti, o caso concreto. Ou, pelo menos, o GRANDE problema.

O problema desta decisão é que coloca em causa a legitimidade dos tribunais.

Claro que não a legitimidade jurídica e constitucional: essa está na lei.

Mas coloca em causa a mais importante, a que conta na vida prática: a legitimidade social e política.

Como pode a sociedade viver em ordem e paz quando decisões destas a agitam?

Quando decisões destas escandalizam a sociedade, que nelas não se revê?

Quando à esquerda e à direita não se vislumbra apoio à decisão, que é entendida como grotesca e quase que determina a obrigatoriedade legal do 'bom pai de família' em distribuir sopapos 'quando adequados'?

Não aceitamos agressões físicas nem corporais e uma criança, mais do que criança, é um ser humano, que tem direito à sua privacidade e intimidade.

Seja deficiente ou não.

Só tem filhos quem quer.

Se calhar o problema é mesmo esse.

Mas esperava mais do Tribunal Supremo. Até porque de uma decisão destas não é possível recorrer. Pelo menos dentro do sistema judicial actual. Vamos a ver se com decisões destas ele se aguenta.

A justiça deve ser cega, mas há limites.

Imagem:

Sebastião SALGADO [1984], Etiópia